A Dinamarca nao e Inocente!
"Algo está podre no reino da Dinamarca", escreveu Shakespeare no seu famoso Hamlet há cerca quatrocentos anos. Os acontecimentos dos últimos meses demonstram que as palavras de Shakespeare ganharam uma nova actualidade.
Ttudo começou na cidade de Aarhus, a 30 de Setembro do ano passado, quando o jornal nacional com o nome regional de Jyllands-Posten (O Correio da Jutlandia), publicou doze cartoons que transmitiram uma imagem ofensiva e unilateral de Maomé.
A explicação oficial, dada pelo director do jornal para justificar a publicação, foi o desejo de desafiar o exercício da liberdade de expressão na Dinamarca que, segundo ele, já está ameaçada pela crescente influência dos muçulmanos. Antes da publicação consultaram uns peritos que disseram claramente que a publicação dos cartoons, muito provavelmente, provocaria a ira dos muçulmanos que se sentiriam insultados pela forma como se retrata o seu profeta. Ou seja, desde início, a publicação dos cartoons foi concebida como uma provocação malévola.
DOS MOTIVOS OFICIAIS E OS REAIS
É sempre difícil adivinhar quais são as motivações pessoais dos que tomam decisões infelizes. E esses motivos têm, de facto, pouco interesse. O que é importante, isso sim, é o contexto histórico em que se tomam as decisões e o objectivo dos que as tomam. Sob este ponto de vista, é fácil concluir que a publicação dos cartoons faz parte de um plano promovido pela classe dominante da Dinamarca com um duplo propósito:
1. Dividir os trabalhadores dinamarqueses em nacionais e estrangeiros, cristãos e muçulmanos, para debilitar a sua resistência face à brutal imposição de políticas neoliberais, num momento específico em que, transitoriamente, a economia dinamarquesa é uma das mais prósperas dentro de uma economia capitalista mundial em grave crise;
2. Criar a imagem artificial do mundo muçulmano como inimigo para, com este argumento, enfrentar a crescente reivindicação do povo dinamarquês de retirar as suas tropas do Iraque, onde participam na ocupação ilegal encabeçada pelo imperialismo norte-americano.
Desde o princípio, todo este caso foi tratado com um misto de arrogância e estupidez, tanto pelos redactores do Jyllands-Posten como pelo do governo dinamarquês. Ficou rapidamente claro que os muçulmanos se sentiam insultados. A comunidade muçulmana na Dinamarca, logo em Outubro, organizou manifestações e exigiu ao jornal um pedido de desculpas pela publicação dos cartoons, que denegriu sob o falso pretexto de defender a liberdade de expressão.
Numa acção sem precedentes na história da diplomacia dinamarquesa, 22 ex-embaixadores dinamarqueses vieram a público a criticar o primeiro-ministro pela sua recusa a reunir-se com os representantes dos países muçulmanos. Foram apoiados inclusive pelo ex-ministro dos Assuntos Exteriores, Uffe Ellemann-Jensen, um guerreiro frio, belicista, que no entanto é sensível a este tipo de problemas culturais. Mas o governo manteve-se firme na sua posição.
Parece que lhe convinha o facto de os cartoons desviarem a atenção popular das consequências sociais das suas profundas "reformas" do sistema de "previdência" anunciadas durante os meses do Outono.
Só quando a agenda nacional se transformou numa crise internacional sem precedentes, o governo e o jornal decidiram deitar mãos à obra. Mas, mesmo neste momento, a arrogância impediu-os de salvar o que então ainda podia ser salvo. Por exemplo, o director do Jyllands-Posten pediu desculpas pelo facto de os muçulmanos se sentirem insultados, mas não pela publicação dos cartoons, porque isso significaria , segundo ele, uma violação da sua liberdade de expressão. Deste modo, a desculpa não foi suficiente para acalmar e parar os protestos, como também não o foi a aparição do primeiro Ministro nos canais de televisão árabes e muçulmanos, onde não enviou a mensagem que seria de esperar dele.
UM JORNAL REACCIONÁRIO: Desmascarando o bicho
O Jyllands-Posten é um dos maiores jornais da Dinamarca com uma longa tradição de direita. Nos anos 30, defendeu posições pró-nazis. Depois da Segunda Guerra Mundial tornou-se completamente pró-NATO. Durante a guerra do Vietname foi um fiel aliado do imperialismo ianque. E hoje em dia é um ardente defensor do estado sionista de Israel e da ocupação imperialista do Iraque e do Afeganistão, além da pressão contra o Irão e a Síria e outros países independentes.
O Jyllands-Posten é considerado o porta-voz oficioso do Partido Liberal do primeiro ministro Anders Fogh Rasmussen e, como tal, não é um actor inocente na actual crise. A sua defesa da liberdade de expressão não passa de hipocrisia.
Durante os últimos anos, o Jyllands-Posten transformou-se na rampa de lançamento dos ataques e calúnias mais infames contra os comunistas e os outros progressistas. A liberdade de expressão praticada pelo jornal é para tergiversar, silenciar e criminalizar os ideias comunistas e progressistas. A forma como retrata os ex-países socialistas da Europa, África e os comunistas dinamarqueses activos durante a Guerra Fria é tão insultuosa como os doze cartoons.
Segunda a lenda, a bandeira nacional, a Dannbrog, caiu do céu, totalmente pronta e acabada, em 1219 durante a batalha de Lyndanisse, onde os cruzados dinamarqueses lutaram para cristianizar os pagãos estónios. Oito séculos depois, o Jyllands-Posten e a burguesia no poder na Dinamarca apresentam a liberdade de expressão como um princípio sagrado e absoluto que, de forma idêntica caiu do céu totalmente pronta e acabada, na sua actual versão dinamarquesa, intolerante e míope.
Diferentemente deles, para nós, a liberdade de expressão é um belo princípio que assume uma forma concreta, de acordo com o contexto histórico e a classe social que a aplica. A liberdade de expressão é uma necessidade para o livre desenvolvimento do indivíduo e a sua participação nos processos democráticos da sociedade moderna. Mas não se pode aceitar como um direito ilimitado da classe dominante de insultar outros povos, provocar tensões, violência, guerras e destruição.
A liberdade de expressão deve subordinar-se sempre à ética e às regras de comportamento civilizado entre povos e nações.
Governo Dinamarqês visto com olhos de ver
A amplitude dos protestos anti-dinamarqueses, que se estenderam a todo o mundo muçulmano durante as últimas semanas, colheu de surpresa o povo dinamarquês. Poucos esperavam que algo de parecido pudesse passar-se. Desde há anos que os dinamarqueses vêm sendo deseducados ( e não mal educados) com a ilusão de que vivem no melhor dos mundos; de que eles são muito tolerantes e os outros intolerantes, particularmente os muçulmanos; de que o seu país é respeitado e o seu governo bem intencionado e generoso; de que as tropas dinamarquesas no Afeganistão e no Iraque fazem um bom trabalho humanitário e são bem recebidas pelo povo iraquiano, etc.
Esta mentira sobreviveu e enraizou-se porque a grande imprensa dinamarquesa tornou-se uma das mais controladas e cerceadas da Europa. Este fenómeno também explica porque é que o povo dinamarquês não se inteirou do que esteve a processar-se durante vários anos.
A Dinamarca – que há vinte anos era conhecida pelo seu sistema social-democrata de estado previdência, pela sua assistência humanitária ao terceiro mundo e pela sua política de "notas explicativas" que de certa forma se opôs aos planos mais agressivos dos EUA e da NATO – acabou por transformar-se num país muito reaccionário.
A nível internacional, isto expressa-se na sua subordinação ao imperialismo norte-americano e na sua participação nas guerras agressivas contra a Jugoslávia, o Afeganistão e Iraque. Ao mesmo tempo, a "ajuda" dinamarquesa ao terceiro mundo é cada vez mais condicionada à aceitação, por parte dos países receptores, de posições neoliberais e pró-imperialistas.
A nível nacional, a chamada legislação "anti-terrorista", os propósitos de criminalizar os comunistas, o tom cada vez mais intolerante na discussão sobre imigração são algumas das expressões de um estado reaccionário que já várias vezes foi censurado pela ONU, pelo Conselho da Europa e a Amnistia Internacional, pela sua violação dos direitos humanos.
Agora, o povo dinamarquês está a pagar o preço das estúpidas acções da sua arrogante e reaccionária classe dominante. Até os jornalistas dos grandes meios de comunicação, que durante anos andaram a contar mentiras, tal como Hitler em 1941, caíram na armadilha das suas próprias mentiras. Aparentemente acreditavam no que estavam a dizer e escrever e por isso surpreenderam-se, tal como a maioria do povo, com a resposta dos muçulmanos. Mas em vez de iniciarem um processo de autocrítica, estão à procura de bodes expiatórios e encontraram-nos entre uns imãs locais que, de facto, recorreram a contradições e manipulações para se autopromoverem.
Nesta situação, a resposta arrogante do governo foi criar uma distinção entre muçulmanos "bons" e "maus" e promover uma organização nacional dos "bons", ignorando ou insultando os "maus". Esta táctica pode resolver um problema concreto, numa situação concreta na qual o governo procura, desesperadamente, alguns aliados entre os muçulmanos, mas a longo prazo o mais provável é que corresponda a deitar lenha na fogueira.
Interpretando a História
A actual crise não se pode explicar apenas pelos cartoons e pela arrogância dos círculos dominantes da Dinamarca, ainda que eles tenham grande responsabilidade. A verdadeira explicação está nas repetidas humilhações sofridas pelos povos muçulmanos há mais de um século, primeiro sob o jugo do colonialismo europeu e agora sob a forma da dominação imperialista dos Estados Unidos e da Europa, com as suas constantes agressões, ocupações e imposições dos interesses ocidentais nos seus países. A reacção muçulmana esteve em banho-de-maria durante muito tempo. Neste caso é totalmente fortuito que fosse a Dinamarca e os cartoons a provocar a actual revolta dos povos muçulmanos. Mais cedo ou mais tarde ela rebentaria.
À primeira vista, a actual revolta assume a forma de uma confrontação entre civilizações, uma espécie de guerra religiosa, com todo o fanatismo irracional, diferentes objectivos e as nebulosas linhas divisórias que sempre lhe estão associadas. Mas na sua essência constitui um importante movimento anti-imperialista, dirigido contra o imperialismo mundial encabeçado pelos Estados Unidos e com a Dinamarca a servir de irmão mais novo, muito activo e arrogante.
No entanto, o facto de este movimento ter tomado uma forma religiosa misturada com fanatismo e diversos objectivos locais e regionais, também contribui para aumentar a confusão e as contradições secundárias, e torna mais difícil e complicado criar uma frente anti-imperialista internacional.
Por exemplo, o queimar bandeiras e símbolos nacionais dinamarqueses, ainda que seja justificável, fere os sentimentos nacionais de uma parte da população dinamarquesa e, por isso, contribui para o reforço dos partidos de direita e extremistas da Dinamarca. De acordo com as últimas sondagens, o Partido do Povo Dinamarquês, de extrema direita, subiu bastante durante as últimas semanas e quase fica a par do Partido Social-Democrata, estando prestes a transformar-se no segundo partido da Dinamarca.
No entanto, a situação é muito contraditória. As sondagens também indicam que enquanto quase 80% da população apoia o Jyllands-Posten quando este recusa desculpar-se, também há um número crescente de dinamarqueses – que neste momento são quase metade da população – que compreendem que os muçulmanos se sintam insultados com os cartoons. Por todo o lado estão a ter lugar manifestações pela tolerância e pela solidariedade. Outro efeito positivo da revolta nos países muçulmanos é o facto de um terço dos soldados dinamarqueses prestes a marchar para o Iraque já se recusarem ir. Ou seja, uma importante batalha de ideias está a desenvolver-se na sociedade dinamarquesa.
Pela liberade de Expressão; pela Justiça e pela Solidariedade pelos muçulmanos,
Um abraço fraterno à seriedade e justiça.
Ttudo começou na cidade de Aarhus, a 30 de Setembro do ano passado, quando o jornal nacional com o nome regional de Jyllands-Posten (O Correio da Jutlandia), publicou doze cartoons que transmitiram uma imagem ofensiva e unilateral de Maomé.
A explicação oficial, dada pelo director do jornal para justificar a publicação, foi o desejo de desafiar o exercício da liberdade de expressão na Dinamarca que, segundo ele, já está ameaçada pela crescente influência dos muçulmanos. Antes da publicação consultaram uns peritos que disseram claramente que a publicação dos cartoons, muito provavelmente, provocaria a ira dos muçulmanos que se sentiriam insultados pela forma como se retrata o seu profeta. Ou seja, desde início, a publicação dos cartoons foi concebida como uma provocação malévola.
DOS MOTIVOS OFICIAIS E OS REAIS
É sempre difícil adivinhar quais são as motivações pessoais dos que tomam decisões infelizes. E esses motivos têm, de facto, pouco interesse. O que é importante, isso sim, é o contexto histórico em que se tomam as decisões e o objectivo dos que as tomam. Sob este ponto de vista, é fácil concluir que a publicação dos cartoons faz parte de um plano promovido pela classe dominante da Dinamarca com um duplo propósito:
1. Dividir os trabalhadores dinamarqueses em nacionais e estrangeiros, cristãos e muçulmanos, para debilitar a sua resistência face à brutal imposição de políticas neoliberais, num momento específico em que, transitoriamente, a economia dinamarquesa é uma das mais prósperas dentro de uma economia capitalista mundial em grave crise;
2. Criar a imagem artificial do mundo muçulmano como inimigo para, com este argumento, enfrentar a crescente reivindicação do povo dinamarquês de retirar as suas tropas do Iraque, onde participam na ocupação ilegal encabeçada pelo imperialismo norte-americano.
Desde o princípio, todo este caso foi tratado com um misto de arrogância e estupidez, tanto pelos redactores do Jyllands-Posten como pelo do governo dinamarquês. Ficou rapidamente claro que os muçulmanos se sentiam insultados. A comunidade muçulmana na Dinamarca, logo em Outubro, organizou manifestações e exigiu ao jornal um pedido de desculpas pela publicação dos cartoons, que denegriu sob o falso pretexto de defender a liberdade de expressão.
Numa acção sem precedentes na história da diplomacia dinamarquesa, 22 ex-embaixadores dinamarqueses vieram a público a criticar o primeiro-ministro pela sua recusa a reunir-se com os representantes dos países muçulmanos. Foram apoiados inclusive pelo ex-ministro dos Assuntos Exteriores, Uffe Ellemann-Jensen, um guerreiro frio, belicista, que no entanto é sensível a este tipo de problemas culturais. Mas o governo manteve-se firme na sua posição.
Parece que lhe convinha o facto de os cartoons desviarem a atenção popular das consequências sociais das suas profundas "reformas" do sistema de "previdência" anunciadas durante os meses do Outono.
Só quando a agenda nacional se transformou numa crise internacional sem precedentes, o governo e o jornal decidiram deitar mãos à obra. Mas, mesmo neste momento, a arrogância impediu-os de salvar o que então ainda podia ser salvo. Por exemplo, o director do Jyllands-Posten pediu desculpas pelo facto de os muçulmanos se sentirem insultados, mas não pela publicação dos cartoons, porque isso significaria , segundo ele, uma violação da sua liberdade de expressão. Deste modo, a desculpa não foi suficiente para acalmar e parar os protestos, como também não o foi a aparição do primeiro Ministro nos canais de televisão árabes e muçulmanos, onde não enviou a mensagem que seria de esperar dele.
UM JORNAL REACCIONÁRIO: Desmascarando o bicho
O Jyllands-Posten é um dos maiores jornais da Dinamarca com uma longa tradição de direita. Nos anos 30, defendeu posições pró-nazis. Depois da Segunda Guerra Mundial tornou-se completamente pró-NATO. Durante a guerra do Vietname foi um fiel aliado do imperialismo ianque. E hoje em dia é um ardente defensor do estado sionista de Israel e da ocupação imperialista do Iraque e do Afeganistão, além da pressão contra o Irão e a Síria e outros países independentes.
O Jyllands-Posten é considerado o porta-voz oficioso do Partido Liberal do primeiro ministro Anders Fogh Rasmussen e, como tal, não é um actor inocente na actual crise. A sua defesa da liberdade de expressão não passa de hipocrisia.
Durante os últimos anos, o Jyllands-Posten transformou-se na rampa de lançamento dos ataques e calúnias mais infames contra os comunistas e os outros progressistas. A liberdade de expressão praticada pelo jornal é para tergiversar, silenciar e criminalizar os ideias comunistas e progressistas. A forma como retrata os ex-países socialistas da Europa, África e os comunistas dinamarqueses activos durante a Guerra Fria é tão insultuosa como os doze cartoons.
Segunda a lenda, a bandeira nacional, a Dannbrog, caiu do céu, totalmente pronta e acabada, em 1219 durante a batalha de Lyndanisse, onde os cruzados dinamarqueses lutaram para cristianizar os pagãos estónios. Oito séculos depois, o Jyllands-Posten e a burguesia no poder na Dinamarca apresentam a liberdade de expressão como um princípio sagrado e absoluto que, de forma idêntica caiu do céu totalmente pronta e acabada, na sua actual versão dinamarquesa, intolerante e míope.
Diferentemente deles, para nós, a liberdade de expressão é um belo princípio que assume uma forma concreta, de acordo com o contexto histórico e a classe social que a aplica. A liberdade de expressão é uma necessidade para o livre desenvolvimento do indivíduo e a sua participação nos processos democráticos da sociedade moderna. Mas não se pode aceitar como um direito ilimitado da classe dominante de insultar outros povos, provocar tensões, violência, guerras e destruição.
A liberdade de expressão deve subordinar-se sempre à ética e às regras de comportamento civilizado entre povos e nações.
Governo Dinamarqês visto com olhos de ver
A amplitude dos protestos anti-dinamarqueses, que se estenderam a todo o mundo muçulmano durante as últimas semanas, colheu de surpresa o povo dinamarquês. Poucos esperavam que algo de parecido pudesse passar-se. Desde há anos que os dinamarqueses vêm sendo deseducados ( e não mal educados) com a ilusão de que vivem no melhor dos mundos; de que eles são muito tolerantes e os outros intolerantes, particularmente os muçulmanos; de que o seu país é respeitado e o seu governo bem intencionado e generoso; de que as tropas dinamarquesas no Afeganistão e no Iraque fazem um bom trabalho humanitário e são bem recebidas pelo povo iraquiano, etc.
Esta mentira sobreviveu e enraizou-se porque a grande imprensa dinamarquesa tornou-se uma das mais controladas e cerceadas da Europa. Este fenómeno também explica porque é que o povo dinamarquês não se inteirou do que esteve a processar-se durante vários anos.
A Dinamarca – que há vinte anos era conhecida pelo seu sistema social-democrata de estado previdência, pela sua assistência humanitária ao terceiro mundo e pela sua política de "notas explicativas" que de certa forma se opôs aos planos mais agressivos dos EUA e da NATO – acabou por transformar-se num país muito reaccionário.
A nível internacional, isto expressa-se na sua subordinação ao imperialismo norte-americano e na sua participação nas guerras agressivas contra a Jugoslávia, o Afeganistão e Iraque. Ao mesmo tempo, a "ajuda" dinamarquesa ao terceiro mundo é cada vez mais condicionada à aceitação, por parte dos países receptores, de posições neoliberais e pró-imperialistas.
A nível nacional, a chamada legislação "anti-terrorista", os propósitos de criminalizar os comunistas, o tom cada vez mais intolerante na discussão sobre imigração são algumas das expressões de um estado reaccionário que já várias vezes foi censurado pela ONU, pelo Conselho da Europa e a Amnistia Internacional, pela sua violação dos direitos humanos.
Agora, o povo dinamarquês está a pagar o preço das estúpidas acções da sua arrogante e reaccionária classe dominante. Até os jornalistas dos grandes meios de comunicação, que durante anos andaram a contar mentiras, tal como Hitler em 1941, caíram na armadilha das suas próprias mentiras. Aparentemente acreditavam no que estavam a dizer e escrever e por isso surpreenderam-se, tal como a maioria do povo, com a resposta dos muçulmanos. Mas em vez de iniciarem um processo de autocrítica, estão à procura de bodes expiatórios e encontraram-nos entre uns imãs locais que, de facto, recorreram a contradições e manipulações para se autopromoverem.
Nesta situação, a resposta arrogante do governo foi criar uma distinção entre muçulmanos "bons" e "maus" e promover uma organização nacional dos "bons", ignorando ou insultando os "maus". Esta táctica pode resolver um problema concreto, numa situação concreta na qual o governo procura, desesperadamente, alguns aliados entre os muçulmanos, mas a longo prazo o mais provável é que corresponda a deitar lenha na fogueira.
Interpretando a História
A actual crise não se pode explicar apenas pelos cartoons e pela arrogância dos círculos dominantes da Dinamarca, ainda que eles tenham grande responsabilidade. A verdadeira explicação está nas repetidas humilhações sofridas pelos povos muçulmanos há mais de um século, primeiro sob o jugo do colonialismo europeu e agora sob a forma da dominação imperialista dos Estados Unidos e da Europa, com as suas constantes agressões, ocupações e imposições dos interesses ocidentais nos seus países. A reacção muçulmana esteve em banho-de-maria durante muito tempo. Neste caso é totalmente fortuito que fosse a Dinamarca e os cartoons a provocar a actual revolta dos povos muçulmanos. Mais cedo ou mais tarde ela rebentaria.
À primeira vista, a actual revolta assume a forma de uma confrontação entre civilizações, uma espécie de guerra religiosa, com todo o fanatismo irracional, diferentes objectivos e as nebulosas linhas divisórias que sempre lhe estão associadas. Mas na sua essência constitui um importante movimento anti-imperialista, dirigido contra o imperialismo mundial encabeçado pelos Estados Unidos e com a Dinamarca a servir de irmão mais novo, muito activo e arrogante.
No entanto, o facto de este movimento ter tomado uma forma religiosa misturada com fanatismo e diversos objectivos locais e regionais, também contribui para aumentar a confusão e as contradições secundárias, e torna mais difícil e complicado criar uma frente anti-imperialista internacional.
Por exemplo, o queimar bandeiras e símbolos nacionais dinamarqueses, ainda que seja justificável, fere os sentimentos nacionais de uma parte da população dinamarquesa e, por isso, contribui para o reforço dos partidos de direita e extremistas da Dinamarca. De acordo com as últimas sondagens, o Partido do Povo Dinamarquês, de extrema direita, subiu bastante durante as últimas semanas e quase fica a par do Partido Social-Democrata, estando prestes a transformar-se no segundo partido da Dinamarca.
No entanto, a situação é muito contraditória. As sondagens também indicam que enquanto quase 80% da população apoia o Jyllands-Posten quando este recusa desculpar-se, também há um número crescente de dinamarqueses – que neste momento são quase metade da população – que compreendem que os muçulmanos se sintam insultados com os cartoons. Por todo o lado estão a ter lugar manifestações pela tolerância e pela solidariedade. Outro efeito positivo da revolta nos países muçulmanos é o facto de um terço dos soldados dinamarqueses prestes a marchar para o Iraque já se recusarem ir. Ou seja, uma importante batalha de ideias está a desenvolver-se na sociedade dinamarquesa.
Pela liberade de Expressão; pela Justiça e pela Solidariedade pelos muçulmanos,
Um abraço fraterno à seriedade e justiça.
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