Mansão para Joaquim Chissano faz levantar 13 cadáveres Das campas da «Praia dos Amores» na Catembe

Já está em curso o processo para a construção da famosa mansão destinada ao antigo presidente da República, Joaquim Alberto Chissano, na Catembe, distrito urbano n.º1 do Município de Maputo, na margem sul da Baía. Durante o último fim-de-semana as autoridades dirigiram a cerimónia de exumação de campas num cemitério local situado dentro do terreno onde será erguida a mansão, na zona conhecida por «Praia dos Amores», com vista para o Palácio da Ponta Vermelha na margem Norte, antiga residência oficial do chefe de Estado, onde Chissano passou 18 anos da sua vida.
O «Canal de Moçambique» esteve no local. Ao todo foram treze as campas exumadas. Cerimónias tradicionais de apaziguamento dos espíritos – ritual que consiste no sacrifício de animais acompanhado por oferta de vinho – foram observadas na circunstância.

O ritual
As autoridades fizeram a entrega, no local, de vinho, frangos e uma vaca às famílias presentes dos defuntos exumados.
O vinho branco e os frangos foram entregues, às família que acto contínuo e caso a caso, fizeram as cerimónias tradicionais junto a cada campa do respectivo familiar defunto a ser exumado.
Cada ritual consistiu no derrame de vinho branco nas campas e o sacrifício dos frangos que depois foram cozinhados e consumidos no local, pelas respectivas famílias, separadas das demais.
A vaca que foi abatida foi consumida, em comum, por todos os presentes. O repasto foi acompanhado de bebidas.
O acontecimento durou dois dias. Quase uma centena de pessoas fez-se presente no local.

“Quero, posso e mando”
Alguns familiares dos exumados, manifestaram ao «Canal de Moçambique» o seu desagrado pela exumação dos corpos dos seus entes.
“Este governo faz o que quer e nós estamos aqui apenas para cumprir o que os responsáveis nos obrigam”, disse Ludfonho Cuane, familiar de um dos defuntos exumados que em vida respondia pelo nome de Jeremias Tovele. Segundo Cuane o seu ente foi sepultado nos princípios da década de 90.
A maioria dos corpos exumados naquele cemitério era de pescadores. Tovele era um deles. Morreu vítima de naufrágio quando na altura pescava na zona da Costa de sol. As correntes levaram o seu corpo até à Catembe, «Zona 5». Acabou enterrado naquele cemitério para o descanso que era suposto ser eterno mas, acabou interrompido no último fim-de-semana para satisfazer os prazeres paisagísticos de um “grande filho do povo”.

Resistência de um defunto
No meio das exumações houve uma que chamou atenção. Foi a de ossadas de um pescador que foi enterrado sob uma grande raiz de uma frondosa árvore nativa conhecida por «miphisso». As ossadas estavam totalmente encravadas entre as raízes. Os coveiros tiveram imensas dificuldades em retirá-las. Segundo Castigo Tembe, de 59 anos, essas ossadas pertencem a um indivíduo desconhecido que foi dar àquela margem na Catembe, empurrado pela corrente do mar. Acabou sendo enterrado pela comunidade.

Mestre de cerimónias satisfeito
Daniel Tembe, 82 anos de idade, afirmou estar satisfeito com a forma como decorreram as cerimónias. “Gostei da cerimónia porque os trâmites tradicionais foram cumpridos”.

Negaram custear o caixão
Um corpo foi achado quase completo. Era o de Juvenal Augusto Lissinga que este ano completaria 50 anos de idade, se vivo. Foi enterrado há cerca de 12 meses. O «Canal de Moçambique» viu. A família estava indignada: “A exumação de um corpo fresco, de quase um ano, não é uma cerimónia normal. O nosso falecido não está satisfeito. A alma dele pode nos complicar no futuro”, disse André Sitoi, um cunhado do finado.
Mais adiante, a viúva, Sabina Lissinga, mãe de dois filhos, triste e entre lágrimas, lamentou-se que só lhe tenham dado um garrafão de vinho branco e dois frangos e a tenham obrigado a pagar o caixão para a exumação. “Fomos obrigados a comprar o caixão”. “Com falta de dinheiro optámos por um caixão de unitex para depositarmos um corpo ainda fresco”, contou e acrescentou: “Veja senhor jornalista, para não dizer que a família de Lissinga está lhe mentir, eis o recibo de 700,00 MTn (700 mil meticais da Velha Família)”.
“Nós é que compramos o caixão com o nosso dinheiro. Achas justo sermos nós a despender os nossos parcos meticais numa altura destas?”, questionou, chorando.

A administradora explica-se
Questionada pelo «Canal de Moçambique» sobre quem deve arcar com as despesas de compra dos caixões para a exumações, a administradora de Catembe, Estrelinha Ndove, a quem coube presidir a cerimónia, disse que competia às autoridades. Todavia explicou que no caso da família Lissinga a responsabilidade era da própria família, alegadamente por ter feito o enterro naquele local depois de ter sido imposta interdição para novos enterros no local.
“Este corpo que saiu quase inteiro, foi enterrado depois das populações terem sido avisadas da retirada compulsiva do espaço pertencente a construção do futuro edifício do presidente Chissano”, afirmou.
Segundo ela, “Eles não observaram a ordem e fizeram o enterro há cerca de um ano”.
Ainda de acordo com a administradora da Catembe, à semelhança dessa família, “houve um outro caso cujo caixão não foi custeado pelas autoridades devido às mesmas razões”. “Todos os restantes caixões (miniaturas), foram custeados pelas autoridades”.
O grosso das ossadas foi transferido para o cemitério «Santo António» na zona de «Massinga 1». Em dois casos as ossadas foram trasladadas para cemitérios familiares.

Enquanto isso
O engenheiro delegado da Direcção de Construção e Urbanização da Cidade de Maputo, Abdulah Assine, disse apenas que todo o processo esteve a cargo da Administração local em coordenação com os ministérios da Agricultura e das Obras Públicas, respectivamente.

(Carlos Humbelino)
Fonte: Canal de Moçambique, 2006-08-24 07:06:00

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