A Resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU:Porque nenhum libanês deveria aceitá-la?

Eis aqui o texto da minuta de resolução do Conselho de Segurança da ONU (CSONU): "Exprimindo sua absoluta preocupação com a contínua escalada das hostilidades no Líbano e em Israel desde o ataque do Hezbollah a Israel em 12 de Julho de 2006, o qual já provocou centenas de mortos e feridos em ambos os lados, danos extensos à infraestrutura civil e centenas de milhares de pessoas deslocadas internamente".

Este parágrafo lança a culpa claramente sobre o Hezbollah pela guerra israelense de agressão. E perceba-se que as "centenas de mortos e feridos de ambos os lados". é dissimuladamente atribuída à a captura pelo Hezbollah dos dois soldados israelenses. Ambos os lados é sempre trazido à tona quando o registo israelense de assassínio e terrorismo está a ser encoberto por uma agência internacional sob a pressão dos EUA a fim de absolver Israel. E perceba-se que a identificação das vítimas, e a destruição do Líbano por Israel não é identificada pelo nome: de forma a implicar que houve dano e destruição em Israel comparável ao dano e destruição no Líbano.

O parágrafo seguinte diz: "Enfatizando a necessidade de por um fim à violência, mas ao mesmo tempo enfatizando a necessidade de atender urgentemente às causas que deram ascenso à crise actual, incluindo nela a libertação incondicional dos soldados israelenses sequestrados". Mais uma vez, a causa raiz é encontrada naqueles dois soldados, e "a causa raiz", no entendimento americano, é uma camuflagem para promover o ponto de vista de Israel. Note-se que a libertação dos dois soldados é "incondicional". Por que? Como um serviço gratuito a Israel pelo seu grande comportamento e nobre conduta? Mas logo a seguir o parágrafo diz: "Atento à sensibilidade da questão dos prisioneiros e encorajando os esforços destinados a regulariza urgentemente a questão dos prisioneiros libaneses detidos em Israel".

Aqui o racismo clássico à moda antiga. Aqueles prisioneiros árabes não são tão simpáticos nem tão valiosos quanto os prisioneiros israelenses. Para os prisioneiros israelenses a resolução apela à libertação imediata, mas para os prisioneiros libaneses urge a "regularizar a questão". Regularizar a questão? Será que é como os EUA regularizam a causa palestina ao longo dos anos? Ou será que é como aquela referência à Resolução 242 do CSONU sobre o problema "dos refugiados"? Regularizar a questão? O parágrafo seguinte diz: "Saúda os esforços do primeiro-ministro libanês e o compromisso do governo do Líbano, no seu plano de sete pontos, para estender sua autoridade sobre o seu território, através das suas próprias forças armadas legítimas, de modo a que no futuro não haja armas sem o consentimento do governo do Líbano e nenhuma outra autoridade do que aquela do governo do Líbano, saudando também o seu comprometimento para com uma força da ONU que é suplementada e reforçada em números, equipamento, mandato e âmbito de operação, e tendo em consideração seu pedido neste plano por uma retirada imediata das forças israelenses do sul do Líbano". Bem, bem, bem. O que estava a faltar era o [primeiro-ministro] Saniura ganhar uns pontos aqui.

Aqui o CSONU (com Israel e os EUA) fazem o melhor que podem, e de modo bastante grosseiro, para apoiar um governo fracassado. Um governo que foi mantido no poder apenas pelos esforços dos EUA/Israel (patrões de Hariri Inc.), e os tolos cálculos do Hezbollah — e o Hezbollah é perseverante em cálculos políticos tolos nas suas alianças e decisões internas. E este registo constante de decisões tolas do Hezbollah leva-me a acreditar que eles possam concordar com esta resolução. Mas o que significa esta resolução quando declara categoricamente que "não haverá armas sem o consentimento do governo do Líbano?" E como verificar isso? Conheço aldeões no sul do Líbano que celebram casamentos com RPGs e AK-47s. Será que John Bolton vai lá investigar aqueles aldeões? E o povo suíço está armado, com mais do que canivetes do exército suíço, e os colonos israelenses estão armados, assim poupem-me por favor a esses argumentos weberianos acerca do monopólio da violência que estão a ser impostos ao Líbano. Quero dizer que os EUA estão a abastecer da milícia privada de Dahlan na Palestina, e as criminosas milícias da Somália, e as milícias dos senhores da guerra no Afeganistão, e várias milícias no Iraque, e a milícia de Hariri Inc. no Líbano, sob o disfarce das Forças de Segurança Interna. Assim, chega de Weber. De modo que isto pode ser afastado porque não será verificado nem implementado a menos que se pretenda enviar Ahmad Fatfat à fortaleza do Hezbollah a fim de pedir aos membros do partido para lhe entregarem as suas armas. Boa sorte. Mas esta sentença é preocupante: "uma força da ONU que é suplementada e reforçada em números, equipamento, mandato e âmbito de operação".

O que significa isto? Esta vaga fraseologia é bastante perturbadora porque é tão vaga quanto a declaração Balfour quando fala em preservar os "direitos civis e religiosos das comunidades não judias existentes na Palestina". E o que é mandato e âmbito de operação? Se você quiser expandir e reforçar o âmbito e o mandato você está quase a criar uma nova força. Mas os tolos e não-tão-tolos ministros libaneses não verão isto. Eles tentarão vender isto como UNIFIL. Não, não é. Ou não tem de ser.

Mas a seguir fico confundido quando a resolução diz isto: "Determinado a actuar para que esta retirada aconteça o mais cedo possível". Espere, espere. Só um minuto. Antes que eu acorde a crianças e solte os porcos do estábulo, é preciso que me expliquem isto AGORA. Primeiro vocês conversam acerca de "uma retirada imediata das forças israelenses do sul do Líbano" e a seguir diz que é o mais cedo possível . Estão a brincar comigo? O que é que é correcto, ó sábio e conciliatório John Bolton? É imediata ou é "o mais cedo possível"? E se você deixar Israel interpretar uma resolução da ONU, há um longo rastro de resoluções não implementadas empapadas em sangue. E se Israel decidir que o ano 2040 é o mais cedo possível?

As resoluções 425 e 426 (intimando Israel a retirar-se do sul do Líbano) foram aprovadas em 1978, e foi em 2000 que Kofi Annan agradeceu a Israel por ser simpática retirando-se do sul do Líbano, embora Israel continuasse a ocupar os campos de Chebaa, as colinas de Kfar Shuba e sete aldeias, sem mencionar a Palestina e as alturas de Golan. E então: "Tomando a devida nota das propostas feitas no plano de sete pontos respeitantes à área dos campos de Chebaa".

O que! Será isto uma brincadeira? Perdi alguma coisa aqui. Uma resolução do CSONU está a referir-se à ocupação israelense de terras libanesas, e diz meramente, meramente, a "tomando nota"? Nem sequer identifica a identidade do ocupante por receio de ferir os sentimentos do povo israelense? Tomando nota?

Eu tomo nota da absoluta estupidez desta frase, e considero-a como uma razão — uma dentre muitas — para esta resolução ser rejeitada no plano dos princípios. E a seguir: "Saudando a decisão unânime do governo do Líbano em 7 de Agosto de 2006 de instalar uma força armada libanesa de 15 mil tropas no sul do Líbano quando o exército israelense retirar-se para trás da Linha Azul e pedir a assistência de forças adicionais da UNIFIL quando necessário para facilitar a entrada das forças armadas libanesas dentro da região e reafirmar sua intenção de fortalecer as forças armadas libanesas com os materiais necessários para permitir-lhe que desempenhe seus deveres".

Bem, aqui percebe-se claramente que o exército israelense não está a planear retirar-se imediatamente e completamente, e pode facilmente descobrir argumentos para permanecer sobre o território libanês. Também, quando os EUA, aqui a ONU mas a diferença realmente não importa, falam acerca do "fortalecimento" do exército libanês eles querem dizer apenas fortalecimento em relação ao povo libanês, especialmente aqueles — fundamentalistas, de esquerda, nacionalistas árabes e outros — que pretendem resistir à ocupação israelense do seu país, e não em relação a Israel.

Fortalecimento não implica um sistema de defesa aérea o qual é a arma de defesa mais necessária para o país, a menos que se planeie confiar na força combatente de elite do exército libanês que hoje entregou suas armas à força de ocupação israelense em Marjiyun, e pediu desculpas aos ocupantes israelenses por não abandonar seus quartéis mais cedo a fim de dar espaço a um exausto e assustado exército de ocupação.

Esta outra é orwelliana: "Determinando que a situação no Líbano constitui uma ameaça à paz e segurança internacional" . Será que este augusto corpo não percebeu que a guerra de agressão israelense ao Líbano tem estado a colocar uma ameaça à paz e segurança internacional até HOJE? Já faz mais de um mês. Mas obrigado por perceber. Foi bastante difícil, acho. Notem este parágrafo: "Apela a uma plena cessação de hostilidades com base, em particular, na imediata cessação da parte do Hezbollah de todos os ataques e a imediata cessação por Israel e todas as operações militares ofensivas".

Isto significa fazer uma distinção entre os ataques do Hezbollah, que são chamados "ataques", e os ataques militares israelenses que são chamados "operações militares ofensivas". Significará isto que os massacres israelenses em Siddiqin, Qa`, Tyre, Marwahin, Srifa, Shiyyah, Qana e outros foram meramente "operações militares"? Precisamos saber para saber o que contar aos sobreviventes. E quando a resolução proíbe "operações ofensivas" israelenses permite claramente que Israel considere operações "defensivas", e todas as guerras de agressão e de ocupação israelenses foram denominadas como "defensivas" por Israel, como Tariq Mitri destacou no seu discurso perante o conselho.

E então: "Enfatiza a importância da extensão do controle do governo do Líbano sobre todo o território libanês de acordo com as disposições da resolução 1559 (2004) e resolução 1608 /2006), e das provisões relevantes dos Acordos Taif, para exercer sua plena soberania, de modo que não haverá armas sem o consentimento do governo do Líbano e nenhuma outra autoridade do que aquela do governo do Líbano". Mas a presença armada do Hezbollah não desfrutou até agora do consentimento do governo libanês e a declaração oficial do governo libanês presta homenagem à "resistência" e à legitimidade de todos os meios a fim de libertar as terras ocupadas do Líbano? O que há sobre isso, oh Kofi? A presença da 1559 do CSONU é crucial aqui: é o cerne do assunto, e mostra mais uma vez que o primeiro fundamento da conspiração internacional contra o Líbano foi lançado por Rafiq Hariri quando os seus interesses coincidiam com os interesses de Israel/EUA e governava o Líbano como um rei. Bem, isso não significava ser, receio. É tudo em torno da 1559 do CSONU.

Então "Reitera seu forte apoio e pleno respeito pela Linha Azul". Como é que se mostra respeito por uma linha? Leva-se-lhe flores? Deixa-se biscoitos e leite sobre a linha todos os dias? Por favor, esclareçam-me porque eu nunca respeitei "linhas" antes. E será que se está a implicar aqui que Israel tem um grande registo de respeito por linhas, onde quer que seja? E a seguir: "Afirma que todas as partes são responsáveis por assegurar que nenhuma acção seja tomada contrariando o parágrafo 1 que pode afectar adversamente a procura para uma solução a longo prazo, para o acesso humanitário às populações civis, incluindo a passagem segura de comboios humanitários, ou o retorno voluntário e seguro de pessoas deslocadas, e apela a todas as parte a cumprirem esta responsabilidade e cooperarem com o Conselho de Segurança" . Perceba-se que diz "todas as partes" quando deveria ter dito Israel, porque é Israel que tem estado a atacar comboios humanitários no Líbano. Mas esta resolução deixa mesmo de considerar Israel como responsável por qualquer dos seus crimes no Líbano. Isto é mais uma razão porque deveria ser rejeitada, categoricamente. Aqui: "arranjos de segurança para impedir a retomada de hostilidades, incluindo o estabelecimento entre a Linha Azul e o rio Litani de uma área livre de qualquer pessoal armado, activos e armas outras além daquelas do governo do Líbano e da UNIFIL como autorizado no parágrafo 22, instalados nesta área".

Isto é o Acordo de 17 de Maio mais uma vez. O exército libanês no sul do Líbano está a ser transformado no Exército do Sul do Líbano. O único dever do exército libanês passa a ser proteger Israel e sua ocupação. Esta "plena implementação das disposições relevantes dos Acordo Taif, e das resoluções 1559 (2004) e 1680 (2006), que exigem o desarmamento de todos os grupos armados no Líbano, de modo que, de acordo com a decisão de 27 de Julho de 2006 do gabinete libanês, não haverá armas ou autoridade outra no Líbano senão aquela do estado libanês" é uma violação clara da soberania libanesa. Não que ela exista, naturalmente, mas os advogados libaneses gritam isto. Trata-se de um assunto interno libanês e a ONU não tem de se referir mesmo aos Acordos Taif que tratam de reformas internas libanesas. Imaginem se o CSONU fosse emitir uma opinião acerca da Constituição dos EUA. E não apreciamos a qualificação na sentença "nenhumas forças no Líbano sem o consentimento do seu governo" . Será como o consentimento que o "governo iraquiano" dá à ocupação americana do Iraque? Expliquem isto, por favor.

Aqui, há uma exigência do Líbano: "entrega às Nações Unidas de todos os restantes mapas de minas terrestres no Líbano na posse de Israel". Mas não há cronograma. Quando? Um ano? Uma década? Quando? Por que não especificar um prazo final?

Este é outro truque que cheira ao Acordo de 17 de Maio: "Convida o secretário-geral a apoiar esforços para assegurar tão logo quanto possível acordos de princípio do governo do Líbano e do governo de Israel quanto aos princípios e elementos para uma solução a longo prazo como exposto no parágrafo 8, e exprime sua intenção de ser activamente envolvido". O que está a ser sugerido aqui? Mas certamente o fim aqui é bastante obsceno: "Enfatiza a importância de, e a necessidade e alcançar, uma paz abrangente, justa e duradoura no Médio Oriente, baseada sobre todas as suas resoluções relevantes incluindo suas resoluções 242 (1967) de 22 de Novembro de 1967 e 338 (1973) de 22 de Outubro de 1973". Isto é basicamente o processo de paz americano que trouxe toda a paz e prosperidade que os povos da região estão agora a desfrutar. Vão dormir.

PS: Oh, esqueci de dizer que esta resolução, quando chega às disposições no sul do Líbano, é sem significado. Quando ela fala acerca de impedir o Hesbollah de retornar ao sul do Líbano, como fará isso? A resolução fala acerca do retorno de todos os refugiados. De modo que os combatentes do Hezbollah são parte dos refugiados do sul do Líbano. Eles retornarão. Mas retornarão eles com as suas armas?

Bem, não será difícil contrabandeá-las de volta. E mais bunkers serão construídos, e mais recrutamente terá lugar. No mínimo, penso, tal como a Resistência Palestina após a Batalha de Karamah, o Hezbollah receberá mais recrutar do que pode absorver. Continuem ligados. O conflito árabe-israelense continua.

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