Prognóstico: Moçambique nos próximos dez anos II

Sociedade e Política
"os prognósticos que faz são interessantes, mas deixa de lado a imprevisibilidade do social (o destaque é meu). penso que a frelimo vai continuar um partido forte, mas a arrogância dos últimos dois anos mexeu nos dados. a oposição política pode continuar insignificante, mas a sociedade não. acho que o país está a atravessar um momento muito interessante. no seu lugar havia de esperar um pouco antes de fazer prgnósticos!" Elísio Macamo.

O comentário do Professor Elísio Macamo constitui uma achega ao prognóstico que faço para os próximos dez anos. Na verdade, o que pretendo fazer é, através de provocações, procurar suscitar um debate em torno do nosso futuro com uma pergunta do tipo: o que será de nós, daqui há dez anos?
A imprevisibilidade social de que E. Macamo diz pode pouco, para mudar as coisas ou simplesmente as balanças do poder em Moçambique. "Com um partido Frelimo forte e um estado fraco", como bem diz E. Macamo no seu estudo Political Governance in Mozambique, dificilmente poderemos ter uma sociedade civil capaz de pôr em causa de forma cabal e triunfante o poder político vigente, necessariamente porque, por um lado, o desempenho das forças políticas mais próximas do poder estão, na verdade perdidas no seu rumo. Por outro lado, não me parece que o povo em si seja capaz de mudar as coisas, antes pelo contrário: verificamos o cada vez desinteresse deste na participação dos processos políticos. De 1994 a 2004 verificamos um decréscimo sognificante da participação popular em processos eleitorais. Igualmente, verificamos o cada vez confinamento de formas e mecanismos de participação de cidadãos em processos decisórios. Para além da Assembléia da República, onde o povo é representado-apesar de forma incestuosa, não existe praticamente nenhumas outras formas de coação viáveis, capazes de sancionar um servidor público, quando este não corresponde às espectativas de quem o elegeu.
A sociedade tem vindo a dar mostras claras do seu desagrado com o poder político: quando foi da última explosão do Paiol de Malhazine, manifestou, pedindo a demissão de algumas figuras políticas. O que aconteceu em seu lugar? Prenderam-se os manifestantes e o Ministro disse claramente que não se demitiria pois ele, não era guarda do paiol.
Do resto, apenas restam-me dúvidas se de facto nos próximos dez anos poderemos ter uma sociedade capaz de pôr em causa de forma cabal e triunfal um Estado ou Governo. Provavelmente sim, provavelmente não. Mas, se isso não for demais, prefiro por enquanto prognosticar com os factos que tenho. Uma sociedade desgastada mas sem alternativa política. Deverá ela própria tomar nas suas mãos o poder político, reeditando a Comuna de Paris de 1871?

Comentários

Bayano Valy disse…
Egído, quero crer que os actuais sinais de facto levam-nos de facto a chegar aos teus prognósticos. Pegando no seu exemplo da explosão do paiol e o que se seguiu, posso concordar que as manifestções nada mudaram, e de facto houve detenções. Porém, observando os jovens que estiveram na manifestação e demandavam a soltura dos seus pares pûde notar um certo ar de rebeldia; de dizer que já basta! Grande parte dos jovens que lá estiveram são universitários que acham que as coisas não devem continuar como estão hoje; são jovens que têm capacidade de influenciar os outros. São jovens que vêm a olhos vivos a arrogância de que o Prof Macamo faz referência. O que achas que poderão estar a pensar? É só um exemplo.
ilídio macia disse…
Fiódor Dostoiévski, célebre escritor Russo, devia ter vivido em Moçambique.Devia ter escrito um dos seus romances falando de Moçambique de hoje. Muita pena que lá se foi o homem. Explicar-te-ei o que me leva a pensar desta forma.
Elísio Macamo disse…
olá egídio, interessante a sua reflexão. merece uma resposta longa, mas vou tentar ser breve. acho que precisamos de distinguir dois problemas: a)o que significa que daqui a 10 anos continuamos a ter a frelimo no poder e b) em que condições podemos fazer vaticínios? sobre a): se partirmos do princípio de que a continuidade da frelimo no poder é essencialmente má coisa, então não vejo como não partilhar o seu pessimismo. mas se isso for menos importante do que um maior respeito pela transparência, legalidade e critérios claros de desempenho, então acho que há igualmente muitos sinais que sustentam maior optimismo. sobre b) a base do seu pessimismo é o que chama de desgaste e falta de alternativas políticas para a sociedade. será que esta constatação (se for correcta) nos obriga a concluir que estamos mal nos próximos 10 anos? acho que não. peguemos no caso do paiol: acha que ninguém aprendeu nada daquela experiência? acha que os jovens que a organizaram da próxima vez vão fazê-la da mesma maneira? acha que os jovens que sofreram agressões da polícia vão manter a mesma atitude de incredulidade em relação à frelimo como tem sido até agora por parte de muitos? e, acima de tudo, acha que o próprio presidente da república, os vários ministros vão continuar a fazer as saus coisas sem pensarem numa possível reacção pública? as declarações de marcelino dos santos e de mariano matsinhe são para mim muito significativas. não dão conta de uma frelimo forte e auto-confiante, mas de uma frelimo que está de novo à procura da sua alma. eu acho que há indícios claros de mudança do carácter do poder político em moçambique. para o melhor.
ilídio macia disse…
Bom, o tempo dirá!
chapa100 disse…
professor macamo! porque acha que estamos perante uma mudanca para melhor? as declaracoes de marcelino dos santos e matsinhe sao suficientes para justificar uma mudanca? porque? que tipo de representatividade politica tem estas declaracoes para concluirmos que estamos no caminho certo? ate agora nao passam de declaracoes, e estas declaracoes sao fruto de que? de um debate interno de busca de alma? ou do exercicio politico de falar qualquer coisa? e nao e estranho que os jovens ideologos e quadros da frelimo nao emitam declaracoes?

para mim nao ha indicios de procura de alma e nao ha indicios de mudanca do caracter do poder politico. ha sim declaracoes de alguns membros da frelimo que estao a procurar definir a sua propria alma. e isso so nao chega para prognosticar mudancas num pais que nao sejam simbolicas.

talvez eu esteja sociologicamente errado.
Elísio Macamo disse…
sociologicamente ou não, erro é erro e não me parece ser esse o seu caso, chapa100. mas acho queo seu comentário é pertinente, sobretudo quando diz não haver indícios de mudança do carácter do poder político e que, por isso, não temos matéria para prognosticar mudanças. a discussão é justamente essa: que indícios é que aceitaria para ser menos pessimista? o que devia acontecer na nossa esfera política para pensarmos que haverá mesmo mudanças? que marcelino dos santos e mariano matsinhe fossem à acipol falar das virtudes do equilíbrio político e de uma polícia neutra? pessoalmente, penso que eles viram a necessidade de falar e isso, para mim, já é significativo. devemos, é claro, ficar preocupados com esses pronunciamentos, mas também temos que procurar contextualizá-los. a minha impressão é de que esse discurso faz parte de um debate interno que, provavelmente, ainda não se cristalizou. repare que posso estar enganado, mas não é por querer a todo o custo ver o lado positivo das coisas.
Egidio Vaz disse…
Obrigado pelos vossos comentários.
Acho-os extremamente importantes para o enriquecimento das minhas opiniões e por essa via, o debate.
Respondendo a duas questões do Prof. Macammo, importa dizer:
1. há dois elementos que o Prof. introduziu e que não foram objecto da minha análise, nomeadamente se a continuidade da Frelimo é ou não má coisa. Eu não quis me preocupar com esta questão. Quis, isso sim, projectar o futuro a partir da actual realidade. Seria sim desejável (a segunda parte da sua questão) que a Frelimo, para além de se fortificar, pudesse igualmente "disciplinar-se" DISTINGUINDO CLARAMENTE as esferas da sua actuação. Actualmente dificilmente ela distingue entre o Estado e Partido e Governo. O seu estudo (neste post mencionado) constata isso e faz claras recomendações neste sentido.
E se por "imprevisibilidade da sociedade" querer dizer o cada vez intervencionismo cívico em assuntos que lhes diz respeito, então, também eu não estou contra isso, apesar de não mudar o cenário por mim traçado.
O que na verdade podia ser muito importante nisso seria o aproveitamento político (e suas consequências) que os partidos da oposição tirariam da "vivacidade" da sociedade. Que aproveitamento político a oposição fez? nenhuma. Terá a Frelimo perdido o seu capital político em Malhazine? Não, digo eu. Pois, durante quase quinze dias estiveram por lá, brigadas da Frelimo a "visitá-los", distribuindo tendas e víveres. A esposa do PR chorou com os vitimados, no seu traje de sempre. E a de Dhlakama? Raúl Domingos? Ya Qub Sibindy? Não sei.
Por isso mesmo que continuo a insistir no meu prognóstico. Não é pessimista, nem pretendo sê-lo. Se dei essa impressão, então peço desculpas.
PS: tinha me ausentado. Por isso não respondi a tempo.
Voltarei para anaçisar os pontos de vista de Bayano e Chapa 100
chapa100 disse…
para mim no discurso da cipol faltou a visao instituicional dos oradores. ai esta o problema. quem nao sabe que matsinhe e marcelino dos santos sao da frelimo? quem duvida do capital politico destes dois antigos combatentes? o que esta em causa e a visao politica responsavel que possa reproduzir discursos politicos responsaveis. aquilo que o professor macamo disse noutros comentarios, a percepcao que nos temos do estado e das suas instituicoes. se olharmos para o local onde foram feitos os famosos discursos,ate que ponto essas declaracoes habilitam a criacao, a operacionalizacao ou reforcamento de leis e politicas de seguranca publica?

entao com este cenario posso imaginar os criterios usados para avaliar o desempenho dos nossos ministros de interior.
Elísio Macamo disse…
egídio, embora importante o sucesso da democracia não depende apenas da existência de uma oposição forte, nem essa me parece ser a condição para que ela se solidifique. acho mau que a nossa oposição seja fraca, mas pior seria se a sociedade também fosse. vejo mudanças a este nível e isso encoraja-me. gostava de perceber melhor a base do seu pessimismo (que não vejo como algo necessariamente negativo). chapa100, que indícios gostaria de ver para recear menos pelo futuro?
eu receio que muitas vezes as análises que fazemos a partir de toda a frustração legítima que sentimos pela forma como as coisas são feitas, não nos permita olhar para além da aparência dos dados. devemos ao nosso país um olhar mais atento para não desanimarmos assim tão rapidamente. acabo de ler o comentário do colunista de o país e ele diz que o presidente, quando indagado sobre a provável inconstitucionalidade da aafp, mostrou-se aberto à revisão caso se verifique que a criação decorreu de um erro jurídico. não creio que o presidente da república tivesse reagido assim há dois meses. ele está atento ao país e como ele muitos mais (entre os quais, nós).
chapa100 disse…
professor! eu tenho menos receio do futuro de mocambique.acredito que a unica forma de receiar menos o futuro é trabalhar mais com os riscos e aperfeicoar mais a nossa competencia.
so que nao e papel da sociedade civil substituir organizacoes politicas. uma coisa é a luta historica entre a frelimo e a renamo, outra coisa é a frelimo como partido politico democratico no poder e oposicao politica num pais democratico e de estado de direito. as minhas analises nao sao pessimistas. e sou daqueles que nego que mocambique esteja muito mal. e por experiencia propria devido ao meu trabalho, em africa e europa sou capaz de afirmar que somos um pais de muita coragem, que para jovens como eu é um pais de desafios. e questionar a verdade dos desafios do nosso pais nao é nenhum exercicio de frustracao. tive o previlegio de conversar e trabalhar com o actual presidente de mocambique, antes de ser eleito presidente da republica, e foi sempre um homem de dialogo e aberto para desafios, por isso nao vejo este presidente como absolutista e anti-democratico como alguns tentam apresentar.a promocao da auto-critica, do debate publico e a despartidarizacao de espacos de exercicio civico e critico, tem sido exemplo vivo de que existe uma consciencia politica da importancia do debate.

e a minha indignacao esta na coerencia das politicas sectoriais de emprego, financas publicas, seguranca publica, luta contra pobreza, descentralizacao e poder local. e como o professor escreveu muito bem, o guebuza é um homem sortudo, mas isso so nao basta, precisamos tirar partido deste momento historico para puxar pambene o pais.
e as expectativas e os desafios sao enormes, e isso talvez tem provocado estes receios, que parecem frustracao e pessimismo, na esfera publica. o que é natural.
Elísio Macamo disse…
muito bem, avante, então! para frente é que é o caminho. mas deixe-me aproveitar dizer mais uma coisinha: também não acho que seja papel da sociedade civil substituir os partidos políticos. acho, contudo, que uma sociedade civil atenta e activa pode tornar menos grave a ausência de partidos políticos fortes. e esta situação já está a existir no nosso país.
Anónimo disse…
Excelente reflexão! Fiz esta pergunta a um candidato na Bahia e ele simplesmente não sabia o que dizer.

Muito legal ver seu espaço crescendo cada vez mais.

Abraços!

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