O que está a acontecer na Beira?

Este post busca compreender o fenómeno pelo menos atípico que ocorre na esfera política moçambicana, com a cidade da Beira a encabeçá-la.
Trata-se de manifestações espontâneas de unanimidade e divergência políticas que, de tempos em tempos são nos dados a testemunhar.

Aconteceu pela segunda vez no dia 13 de Agosto, portanto, ontem, quando o vencedor do programa televisionado pela STV, Show de Talentos, desembarcara no Aeroporto local: um mar de pessoas, dentre políticos da Frelimo, Renamo, PDD e respectivas juventudes o aguardavam alegres; com cantares e dançares, qual recepção jamais vista nos últimos três meses!

Daviz Simango, Edil da Beira, Lourenço Bulha, Primeiro-secretário do Partido Frelimo e cidadão moçambicano vencedor do mesmo concurso na categoria de telespectador que mais votou para o Show de Talentos (beneficiou dum prémio de 250 mil meticais) e outras individualidades não se coibiram de sair dos seus gabinetes para receber o jovem Ramos Gatoma.

Este fenómeno é ou pelo menos deve ser objecto de análise política: é que não são todos os dias que políticos dos dois partidos maioritários se juntam numa única passeata em volta de um só objectivo. Pior, não tem sido comum, juventudes da Renamo e Frelimo partilharem o mesmo espaço político de forma pacífica como aconteceu. Por outro, não tem sido comum, Daviz e Bulha partilharem a mesma parada, sejam quais forem os motivos.

Tenho cá comigo duas hipóteses explicativas:

Esse fenómeno constitui um manifesto exercício reivindicativo por uma cada vez maior inclusão da Beira no xadrez político moçambicano, sentimento partilhado pelos demais beirenses, independentemente da sua filiação partidária.

Existe na Beira um sentimento generalizado de que eles e a sua cidade são vítimas de exclusão política, económica e social: Os baixos fluxos de investimento privado e públicos; a marginalização do Porto da Beira em detrimento do de Nacala e Maputo bem como de outras infra estruturas económicas, incluindo o Aeroporto da Beira - a melhor infra estrutura aeroportuária que até hoje Moçambique possui; a pouca ou quase não inclusão dos beirenses capazes em lugares cimeiros de governação e gestão do país bem como a inexistência de seus representantes no panteão nacional são alguns dos elementos sistematicamente levantados por estes.

O contrário, tem sempre sido celebrado como vitória sobre o sul, entenda-se o sistema prevalecente e a Cidade de Maputo, em especial. A subida de Gilberto Correia ao cargo de Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique (alguém leu o seu discurso?); a ascensão de agrupamentos musicais e artistas como os Djaaka (alguém ouviu a entrevista de Dionísio aquando a sua digressão pela Europa?), Dinho Xs, Rastilho e já agora, Didácia entre outros constituem evidências do fogo latente na memória colectiva dos beirenses.

Atenção, não estou a dizer que é verdade; trata-se apenas de um levantamento preliminar de alguns elementos etnográficos e factos revestidos de uma plausibilidade política razoável. Não estou também a querer etnicisar o debate nem regionalizá-lo. Vide que algumas dessas pessoas nem são naturais da beira, mas identificam-se com ela, sentem e dizem o que lhes vai na alma.

O que está acontecer na Beira?
A televisão, a arte e a cultura estão a reabilitar as dores de uma orfandade política que os beirenses vivem há mais de 30 anos de independência.

Os beirenses estão a querer recuperarem-se da anestesia há muito aplicada e do esquecimento político (amnésia) há muito votados. Não é por acaso que Lourenço Bulha, Primeiro-secretário da Frelimo usou o seu telemovel para insistentemente votar em todos participantes provenientes da cidade da Beira; não é por acaso que ano passado, Daviz Simango ofereceu aos músicos da Beira, uma aparelhagem de som e estúdio completos; não é por acaso que quando se chega a Beira, a palavra de recepção é: mwathu muno! (essa é a nossa terra/lar [um lugar onde eles também podem reinar])

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