Critica Social da Miséria ou Miséria da Crítica Social

Por uma Ciência Social sem monopólio da objectividade e sem imperialismo da subjectividade!

Por Rildo Rafael
Li no ano passado um artigo do Patrício Langa no seu blog, de 30 de Março de 2008, com o titulo “A consagrada família: crítica da crítica, crítica contra autoproclamados defensores dos deserdados!” e recentemente, o mesmo autor presentea-nos com um artigo com o titulo Azagaismo, de 27 de Abril de 2009 e decidi escrever este texto para em primeiro lugar parabenizar-lhe pelos excelentes artigos que escreve e também pelo facto de continuar a combater contra o “silêncio dos intelectuais” como bem escreveu o sociólogo moçambicano Hélder Jauana. O debate sobre a crítica social esta a ganhar terreno desde o ano passado quando escreveste o artigo acima citado, e sobre o artigo refiro-me:

Concordo com a ideia do Patrício Langa quando afirma no seu artigo de que a maior pobreza absoluta que assola Moçambique é a da sua “massa” crítica. Mas ao mesmo tempo acredito que ela é possível de ser combatida. Desde o momento em que possamos clarificar os critérios que usamos ou que devemos usar no debate, mesmo que muitos apareçam a condenar (o que ainda não aconteceu!), seria muito viável exigirmos seus argumentos do que apelarmos a se juntarem a uma posição, pois assim poderíamos caminhar para uma “fala com consequência”.


Ao falar da crítica social recordo-me de uma emocionante e importante polémica travada por Karl Marx com Proudhon entre 1846 a 1847, a ideia base que causou esta discussão estava em torno do Materialismo histórico. Phoudom rejeitava as ideias de Marx e tinha dado ao seu livro o título de “Sistemas de Contradições Económicas e o subtítulo “A Filosofia da Miséria” em retaliação ao posicionamento acima, Marx escreveu em Francês uma obra de contestação com o titulo “A Miseria da Filosofia”. O nível de discussão entre estes interlocutores era mesmo com base em pressupostos argumentativos, basta reparar pelos títulos que os mesmos atribuiram as posições de cada um e a coerência dos seus argumentos.

Interessa recuperar a discussão deste senhores para falar da crítica social, assunto que vem sendo muito debatido na nossa esfera pública, e em particular nos bloggs. Os leitores devem estar a procurar saber o que realmente pretendo abordar neste pequeno “texticuluzito”. Todas as questões acima levantadas apenas pretendem dar conta da dicotomia subjectividade/objectividade científica nas análises, reflexões e crítica social. Intelectuais, músicos e outros actores sociais tem visto as suas opiniões, letras de músicas classificadas dentro destas teias de análises construidas no campo da ciência.

Ao expormos as letras de certos músicos nos blogs ou ainda, pelo facto de considerarmos que certos músicos tornaram-se famosos internamente (Moçambique) e internacionalmente estaremos a ter alguma atitude subjectiva ou objectiva? Porquê? Será que as músicas do Azagaia constituem crítica social? O que será uma crítica social? Porquê certos fazedores das ciências sociais mediatizam o Azagaia? Quem escreve as letras do Azagaia? Porquê tanta teoria de conspiração em torno das músicas do Azagaia, alguem se lembra das músicas dos Gorwane? Em tempos quem é que as escrevia!!! Porquê? Que ligação se pode fazer entre Azagaia e MDM ou entre MC Roger e PIMO ou Frelimo? Será que as nossas músicas são reveladoras de algum posicionamento político?

Quando a agenda do debate nos blogs é a questão de como fazer crítica social, ou seja, que critérios usar para fazer a crítica social, bem como de se estabelecer a tipologia dos críticos sociais que se agrupam em duas alas se não estou enganado, os “críticos sociais da plausibilidade” e os considerados “críticos sociais anti-governo”, que padecem do Äzagaismo, que no entendimento de Patrício é uma espécie de doença nervosa que se caracteriza pela vontade de criticar. É uma neurose que provoca uma eclipse da razão nas pessoas afectadas devido a presença de altos níveis de vontade de criticar. A vontade de criticar (de preferência aos governos) (...) (Patrício Langa).

Uma coisa interessante que a manifestação do dia 5 de Fevereiro de 2008 proporcionou, deixando de fora a violência praticada, foi esta longa cadeia de crítica com vontade de criticar que tem como centro o Governo, isto quer dizer, que de um lado temos os críticos que sofrem do Azagaismo,, os defensores dos deserdados”, e por outro lado os “críticos dos críticos da plausibilidade” que olham para a plausibilidade (quem me dera sempre!) dos argumentos. Não vejo nenhum problema de um indivíduo que tenha queda para fazer crítica ou vontade de criticar, mas criticar bem as coisas, ou seja, interpela-las socorrendo-se em pressupostos que sejam claros para os que recebem a crítica mesmo que de governo se tratasse. Pois um indivíduo sem nenhuma vontade de criticar pode sofrer se calhar de outro tipo de neurose.

Percebo que só um grupo muito restrito (críticos dos críticos) que dispões de ferramentas de debate, ou seja dos critérios do debate, que fazem o uso da crítica social, que vem sendo copiosamente rejeitada pelos críticos azagaistas. Parece que em Moçambique esta a ganhar terreno a simples ideia de que quem falar da miséria, da exclusão social, da pobreza, é automaticamente visto como um azagaista que só pensa em atacar o Governo, aqui também esta patente um erro de procedimento, o famoso julgamento das intenções. Acho estranho o centralismo que se estabelece pelos críticos ou críticos dos críticos a esta simples formula “pró governo ou contra governo”.

Outra situação que os bloggs proporcionam é a recusa frequente ao erro, vezes são tantas que alguns bloggistas embelezam suas ideias ou entendimento após uma forte crítica. Quantas vezes acusamos outros leitores de não terem compreendido as nossas ideias para depois aprimorá-las na explicação para não errarmos, os tais intelectuais sem “defeitos”.

Talvez o problema seja a dificuldade de perceber o que na essência significa “crítica social”! Crítica Social discute as estruturas sociais e visa solucções práticas através de reformas radicais de mudanças ou revoluccionárias. Olavo de Cravalho "toda uma crítica que pretenda ter algum fundamenmto so pode ser baseada na premisssa de que haja na consciência do homem uma dimensao que transcende de algum modo a sociedade presente e na qual ela possa instalar-se. Portanto podemos ter a crítica a diferentes formas (socialismo, anarquismo, de uma minoria de homossexuais, de um movimento social, de mulheres da Nova Esquerda. Não podemos conceber a crítica social como algo que nos une a uma ideia comum. Isto não quer dizer que não possa existir diálogo entre diversos interlocutores. A crítica social pode ser expressa de diversas formas, por ficcão, romances livros infantis, documentários, peças de teatro, expressões músicais (a chamada música de protesto) com significativo impacto social.

Mediante a escala de validade objectiva podemos ter uma crítica com base na legitimidade intrísica da autoridade convocada a legitimá-las, neste primeiro ponto a autoridade do crítico pode estar baseada em premissas que nao correspondem a verdade (concepção do mundo no eu da autoridade). Poderemos também ter maior ou menor consistência lógica entre a autoridade legitimadora e o conteúdo da crítica, no segundo caso, a dedução elaborada mesmo de uma fonte fidedigna pode não obedecer a coerência lógica e não ser suficientemente válida. Portanto ninguém pode afirmar que tudo o que diz é objectivo, pois dentro de um texto objectivo há sempre um homem muito subjectivo. Devemos prostituir as nossas ideias para que possamos estar sujeitos a análises. Só assim produziremos ideias consistentes.

Há um provérbio na língua sena que diz o seguinte ndzerumbawiri: o bom juízo é o de duas pessoas (literalmente quer dizer que o juízo são dois) este provérbio pretende referir que uma pessoa sozinha engana-se. É preciso contrastar opiniões, consultar e ouvir os outros. A palavra e sabedoria de varias pessoas merecem atenção respeito-contrariamente a mentalidade de sabe tudo.

Fico bastante preocupado com o silêncio de certos intelectuais, muitos mascarados de académicos, grandes analistas, mas que de académicos apenas paira uma arrogância excessiva, tem como a sua religião o culto da perfeição, não reagem aos questionamentos sobre as suas ideias, preferem congela-las em frigoríficos de altas capacidades, para que ninguém possa alcança-los, muitas vezes não reagimos as críticas mas esperamos que os outros façam as nossas críticas, uma especie de fuga ao fisco sociologico, esses devem vergar diante das ciências sociais.

Num livro de Pierre Jaccard com o titulo “introdução às ciências sociais”, o professor Irving L. Horowitz propõe que se coloque de lado o falso dualismo ciência e valor, objectividade e interesse humano. Pois para Jaccard a objectividade excessivamente assumida tende a proporcionar, em decorrente do seu próprio vazio, dependências sem consciência a doutrinas de pensamento ou a resignações que nada ostentam de científico.

Da mesma forma que Max Weber no principio do século XX glorificava a Prússia sem querer ao fazer o elogio da disciplina. Ninguém esta isento da influencia dos preconceitos da classe, nação, grupo politico, religião a que pertence. Entre o dogmatismo revelado por uns e o parcialismo omitido de outros, há espaço para uma ciência do homem na medida em que se reconheça as suas possibilidades e os seus limites. O professor Macamo se refere a isto afirmando que não podemos ter o monopólio da objectividade, e eu digo que muitos intelectuais são imperialistas da subjectividade, ou seja, apenas sabem acusar os outros de subjectivos. Tem dificuldades de olhar para os seus próprios pronunciamentos, ou seja, os seus preconceitos são objectivamente explicados a luz de um tal ciência pura, estes devem assustar aos intelectuais que ainda reconhecem que são humanos, que tem a objectividade não como um príncipio em si, mas sim como uma meta a chegar, estes estarão mais atreitos a procurar tentar ser objectivo do que os que já ostentam o apelido de objectivos.

A Internet, sobretudo os blogs proporcionam uma oportunidade e espaço para se expor ideias, a pessoas que outrora não encontravam mecanismos de publicação em jornais, revistas cientificas, e algumas editoras. A mesma possibilita um lugar para fazer crítica a um “sujeito ausente”, ou seja, na relação face a face, como corolário desta situação assistimos a emergência de novos “rotulos” ou “insultos grosseiros” que eu acredito que não seriam proferidos numa situação de co-presença física, podemos começar a criticar isso também (isto é também miséria de crítica social). Vou concordar com o Obed L. Khan quando fala da importância dos rótulos para dar uma certa emoção ao debate. Mas entendo que estes rótulos devem apenas circunscrever-se a nível das ideias e não no ser em si (pessoa). Vamos consagrar as ideias.

Aqueles que lhe acusarem de algo ter feito, ou seja de estar ao lado ou a defender o Governo, mas se a sua consciência estiver tranquila, não faça mais nada duvidai e demonstrai com base em argumentos que faz a crítica social “objectiva!”. E aqueles que o acusarem de só atacar o Governo no seu exercício da crítica, também duvidai e mostrai que faz uma crítica social com base em argumentos. Enquanto a condição humana fazer parte de um dos pressupostos bastante influenciadores dos nossos posicionamentos, somos todos objectivos e subjectivos em diversos momentos, mesmo que muitos de nos aposte significativamente numa ciência objectiva como um ideal superior possível, enquanto não recusa da influência dos preconceitos, como ponto de partida para roptura epistemológica.

Rildo Rafael
(Sociólogo)

Comentários

Maquiti disse…
Rildo,

Muito bem dito,
Rildo Rafael disse…
Caro Maquiti

Obrigado pelo seu comentario.

Abracos
Anónimo disse…
Interessante.

Entre o monopolio e o imperialismo ha espaco para se fazer ciencia social sem camisas de forca.

Mensagens populares deste blogue

Gwaza Muthini, na forma como a conhecemos hoje é um BLUFF HISTÓRICO.

Três opiniões diferentes sobre o TSEKE