DESENVOLVIMENTO COMO FOTOGRAFIA
Em California, EUA. Agosto de 2013 |
No ano passado (2013) o meu amigo, conselheiro e Porta-voz do Presidente da República Dr Edson Macuácua deu uma entrevista ao jornal O Público onde ofereceu a sua opinião sobre o pulsar do país sob a liderança de Armando Guebuza. E quis o Editor reter uma mensagem sua em relação a como nós moçambicanos deveríamos ver e perceber os processos de desenvolvimento. E num título célebre, Macuácua era citado como tendo instado aos moçambicanos para a ver o desenvolvimento não como uma fotografia mas como um filme. Sim, filme porque na sua perspectiva e segundo o jornal, o desenvolvimento era um processo dinâmico e multifacetado, igual ao filme, ao passo que a fotografia era estática. O título e respectiva justificação valeram-lhe críticas de um lado e aplausos de outro, tendo muito pouco sido discutidos os argumentos por ele apresentados. Hoje retomo ao tema, para buscar justamente a “casca”, a sua deixa e defender que o desenvolvimento deve mesmo ser visto como uma fotografia. FOTOGRAFIA, independentemente do aparelho usado para captá-la pois, o que mais interessa é a nossa capacidade de interpretá-la.
Se eu enviar a foto anexa a este post aos meus familiares que vivem entre as dezassete montanhas que compõem a serra de Gorongosa muito provavelmente começariam a chorar logo que a recebesse. A razão seria simples. A foto é incompleta e certamente pensariam que por sê-la, eu deveria estar morto: onde está a outra parte desta foto? Nos conhecemos nosso irmão completo, questionariam. E a foto, logo esta para matar saudades, deveria mostrar-nos todas as componentes do seu corpo; cabeça, tronco e membros, todos; tal como se faz quando se envia fotografias de género e para fins similares. E prontamente concluiriam: o mensageiro veio por outras palavras, informar-nos que o nosso irmão morreu. E com razão. É assim como se comunica más notícias, principalmente de morte, quando um ente perece. Pega-se na fotografia e rasga-se ao meio e entrega-se a outra parte. E a notícia está entregue.
Ptolomeu de Alexandria (90 – 168 DC) inventou no seu tempo o primeiro mapa-múndi, muito impreciso onde oceano Índico aparecia cercado por terra e a maior parte do planeta era composta pela litosfera, (a parte sólida do planeta). Pior que isso, ao sul do Egipto ele simplesmente escreveu: LÁ HÁ LEÕES! O “LÁ” do Ptolomeu na verdade, era toda a região subsaariana, que ele não conhecia nem tinha ouvido algum relato de viajantes e mercadores de então que o permitisse elaborar alguma possibilidade de vida. Mesmo assim, o seu mapa-múndi não deixou de ser a principal fonte para ulteriores aperfeiçoamentos até a idade média.
Ora, o que há de semelhante em dois exemplos acima é o conhecimento: o que sabemos e o que não conhecemos. O mapa-múndi denunciava toda a parte desconhecida como estando infestada de leões. A fotografia meio-corpo denuncia a morte de um ente para aqueles que assim crêem. No momento em que a sociedade moçambicana busca encontrar-se e ante à democratização da informação, urge recobrar esforços para apresentar um Moçambique inteiro; um Moçambique, não meio-corpo ou um Moçambique em que parte dele “habitam leões”, mas um Moçambique na sua plenitude. Neste Facebook, existem crianças e adultos que desconhecem muito da nossa pequena história e percurso histórico. É importante que à medida que tiram proveito das plataformas de interacção digital, aprendam igualmente a pensar por si e a reflectir sobre os destinos do país. Para tal, o debate de ideias deve deslocar-se de onde está, caracterizado pelo exacerbar do conformismo (a aceitação do que existe), do situacionismo (a celebração do que existe) e do cinismo (o conformismo com má consciência) para um debate concentrado em factos (em contraposição de suposições, insinuações e instrumentalização emocional), fontes e memória/consciência histórica.
Podemos todos discordar que Moçambique não desenvolveu nos últimos dez anos. Todos nós temos o direito de pensar diferente. Mas muito pouco de nós somos capazes de dizer concretamente o que não avançou e o que ficou estagnado e o que avançou, nem que seja milimetricamente.
Gostaria de chamar atenção aos meus leitores que não vejam este post com olhos de pro ou contra. Tenho consciência de que o momento que vivemos é o mais perigoso, por estarmos perante transições múltiplas e lançamento de últimas cartadas. No interior da Frelimo, jogam-se últimas cartadas, caracterizadas pelas lutas elitistas pelo poder. Estas elites aliaram-se a elite da mídia “criticista” para chincalhar a actual direcção da Frelimo e do Governo. Porém, a contradição inerente a esta aliança é no mínimo curiosa e assaz pequenina por duas razões:
a) Se esta elite da mídia criticista é grosso modo anti-frelimo, questionam-se os motivos que os move para tanto interesse e envolvimento abnegado na luta contra a actual direcção. Na sua saga, esta elite da mídia criticista não poupa esforços para atacar tudo quanto provém da actual liderança. Ora, se estes são criticistas anti-frelimo e sabendo que continuarão a sê-lo depois, como justificam o seu puro envolvimento em assuntos, temas e entidades que tenebrosamente combatem? Se a sua agenda oposicionista visa retirar a Frelimo do poder, como podem eles ser contraditoriamente úteis para uma ala frelimista ao mesmo tempo que apoiam a alternância da governação através da substituição radical da Frelimo pelo um outro partido diferente?
b) Em “Matando a galinha de ovos de ouro”, o escritor, jornalista, físico e desenvolvimentista britânico, Joseph Hanlon documenta um historial melindroso sobre os contornos da corrupção política e económica que levou a quebra da economia moçambicana, principalmente na banca. Mais de 400 milhões de dólares desapareceram do sistema bancário na década de 90 e início de 2000 em Moçambique. Os nomes de todos envolvidos nesta altura estão devidamente identificados na série de aproximadamente 40 páginas. Dez anos são muito poucos para esquecermos tudo o que se passou. Vamos trazer esta história ao lume e ponhamos à prova a reputação ILIBADA de que tanto se propala em relação aos outros! Consciência histórica precisa-se (veja este link: http://www.mol.co.mz/noticias/metical/2001/mt010917.html). Este ‘e apenas um dos exemplos bem documentados da história da corrupção de Moçambique!
Lembro-me de memória o conselho mais que útil do Professor Carlos Nuno Castel-Branco, segundo o qual, em vez de perscrutarmos e “reciclarmos” – acrescento – as mesmas pessoas, criemos nós outras alternativas. Estamos prontos? Falta coragem?
No exterior da Frelimo estão duas últimas cartadas: o regresso da Renamo a política civil que parece por nervoso o MDM e o temor que tanto a Frelimo como a Renamo nutrem pelo MDM, fruto dos seus últimos ganhos substanciais nas eleições. São cartadas muito sérias, que demandam de todos cidadãos conscientes uma vigilante atenção sobre quaisquer manobras que ponham perigo à democracia.
E falando da democracia e à vigilância, urge não sermos complacentes com quaisquer manifestações de ocultação da verdade. A conivência com a corrupção venha ela de onde vier, constituiu alento para que ela floresça. Se quisermos fortalecer a democracia, não devemos ocultar a corrupção política de uns partidos e criticar o outro só porque estamos decididos em retirar um partido do poder. Isto é propaganda. Não é intelectualidade. Ao procedermos desta maneira, garanto-vos que continuaremos com mesmos problemas quando os outros chegarem ao poder. Isto chama-se cinismo: denunciar problemas de uns ocultando dos outros só porque são pequenos ou não comem dinheiro do Estado. Na verdade, são todos partidos beneficiários do erário público e sendo instituições públicas não devem escapar ao nosso escrutínio.
Para terminar, regressemos às nossas fotografias: o mapa-múndi de Ptolomeu e a fotografia meio-corpo.
Se o mapa-múndi fosse hoje apresentado pela primeira vez a uma criança da quinta classe, seguramente que este mapa seria prontamente denunciado como falso e enganador. Da mesma forma que não espantaria à mesma criança receber nas mãos, um retrato de meio-corpo. Nunca pensaria que se tratava de um morto. O conhecimento avançou. Fruto do avanço da informação e da velocidade com ela percorre, as pessoas estão mais hábeis para fazer escolhas informadas agora que antes. Porém, a ocultação propositada desta informação, a manipulação e a instrumentalização emocional constituem os principais crimes que os intelectuais podem cometer hoje. A geração Facebook não sabe tudo. Provavelmente não leu nem conhece o autor da “galinha dos ovos de ouro” ou não sabe quem matou o projecto de industrialização nacional. Este está interessado em avançar; em ter emprego, salário de vida e pôr a sua vida a andar. É nossa responsabilidade como intelectuais oferecer informação completa a cidadãos para que sozinhos sejam capazes de tomar suas decisões, empoderadas.
O desenvolvimento é uma fotografia: para interpretá-lo, precisamos que tenhamos as ferramentas necessárias. Vamos dar a quem precisa toda a informação para que sozinhos possam avançar, emancipados. De outra forma é lavagem cerebral ou outras formas de estupidificação da sociedade. O economista indiano e premio Nobel, Amartya Sem disse um dia: desenvolvimento é liberdade de escolha. E do mesmo oriente, Bangladesh, Muhamad Yunus, conhecido por banqueiro dos pobres, fortaleceu o conceito de assimetria de informação. No momento do Facebook, a informação útil continua o bem mais escasso. Até parece estarmos ainda na CAVERNA de Platão.
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