ANO JUDICIAL, PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Participei pela primeira vez na
minha vida da cerimónia de abertura do ano judicial.
Ouvi os discursos da
Procuradora-geral da República, do Presidente do Tribunal Supremo e do
Bastonário da Ordem dos Advogados. Por fim, ouvi o discurso do Presidente da
República.
Para além destes discursos,
também prestei atenção a muitos advogados e magistrados sonecando em plena
sala.
Na verdade, os que sonecavam
faziam a verdadeira justiça ao tempo deles.
Esta foi uma cerimónia cheia de
nada: declarações de intenções sem nenhuma visão articulada, conceitos mal
formulados e muito bla bla de praxe.
O Presidente do Tribunal Supremo
trouxe uns dados que por mim era preferível que não tivessem sido trazidos a
tona sem que fossem contextualizados. O rácio Juiz por cada 100 mil habitantes
por exemplo é uma demonstração cabal de que aquele Juiz grande não estava
seguro do que queria comunicar. Outros factos como rácio de processos findos, média
de processos findos por juiz ou tempo médio de resolução de litígios (um ano) são
factores que mereciam comentários pouco mais sérios de quem se esperava alguma
introspecção sobre o acesso a justiça pelos cidadãos. Como é que um Juiz fica
um ano para resolver um único caso e fecha o ano com 700 processos pendentes?
Já a Procuradora-geral da
República teve um discurso sem sentido nem rumo. Para além da observação do
protocolo, pude reter a farpa que mandou em relação ao tipo de relacionamento
institucional que ela julga que prevalece entre advogados e magistrados. Segundo
ela (cito de memória) “não devemos ver a área do outro como sendo empecilho
para a saúde da justiça” tendo de seguida reiterado para o “imperativo “de colaboração
interinstitucional para a solução dos “males” de sempre: corrupção, e bla bla
bla.
O presidente da República fez o
seu primeiro discurso mal conseguido. Suspeito que tenha sido a Dra. Benvida
Levy – na qualidade da Conselheira Jurídica - a dar as linhas do discurso,
tirando o partido do conhecimento na área. Um discurso que tinha tudo para dar
certo acabou cansado mais. De permeio, pudemos ouvir alguma promessa e recados:
o compromisso do governo e do estado em criar ambiente favorável para que os
três poderdes concorram para propiciar o bem comum. Mas o tom, o fio condutor e
as mensagens fixaram-se aquém do esperado.
Digamos que foi tortuoso ouvir
aquilo. Para salvar a casa estava o discurso do Bastonário da Ordem dos
Advogados de Moçambique, Dr Tomas Timbane. Aconselho a quem quiser discursar na
próxima cerimónia de abertura do ano judicial para ler o discurso disponível em:
http://goo.gl/bdYDmY
Aqui sim, houve método e
mensagem. Timbane partiu do moto, do lema da cerimónia de abertura do ano
judicial que foi: Repensar a justiça no contexto dos desafios do judiciário e
da defesa do estado de direito.
Deste lema, a ORDEM dos Advogados
preferiu concentrar-se no imperativo da defesa do estado de direito para
analisar a situação do país e sugerir como o direito, como a colaboração entre as
instituições e como a Ordem dos Advogas em particular poderiam ajudar.
Alegoricamente escolheu a
arbitrariedade como alternativa ao estado de direito como ponto de partida para
a reflexão, em torno do qual outros pontos se lhe aduziram: contencioso eleitoral,
respeito a dignidade humana, estabilidade política, inclusão política, respeito
aos direitos dos advogados, etc. com sugestões concretas sobre como o direito,
os advogados e o sistema de administração de justiça podem trabalhar juntos
para superar os desafios.
Previsivelmente o presidente da
República, o último a discursar, reagiu improvisadamente ao discurso, tendo par
tal, reafirmado o seu compromisso para construir, fortalecer e fazer viver o
estado de direito democrático.
Custa-me acreditar que 40 anos
depois da independência os magistrados não sejam capazes de escrever bem. Pior é
saber que estiveram nos últimos 120 dias a prepararem-se para este evento.
Os jornalistas serão os heróis do
dia. Deverão salvar a honra dos chefes, reescrevendo os discursos e torna-los perceptíveis.
Comentários