RENAMO: PARA UM DEBATE SOBRE A SUA HISTORIOGRAFIA

As seis questões por mim colocadas ontem não tinham por objectivo levantar quaisquer que fossem animosidades. Elas tinham por objectivo contribuir para o início de um debate em torno da institucionalização de um gráfico de tempo mais ou menos partilhado entre os moçambicanos. Ou seja, ao mesmo tempo que discutimos sobre a verdadeira idade do Partido Frelimo; a diferença entre partido Frelimo e o movimento de libertação nacional FRELIMO; a data e local da sua fundação, tentei com as perguntas provocadoras espevitar os moçambicanos sobre a história da Renamo.
Urge saber isso; as novas gerações precisam, para que não caia na mentira ou sucumbam à propaganda branqueadora.
A RENAMO: A MORAL, A DIPLOMACIA E A HISTORIOGRAFIA
Falar da fundação da Renamo hoje é sem dúvidas um sério desafio ético, moral e epistemológico. Tal como Aquino de Bragança e Jacques Depelchin (1986) escreveram em "Da idealização da Frelimo à compreensão da História de Moçambique" sobre a problemática teleológica da história da Frelimo, a da Renamo enfrenta o mesmo problema. Os seus historiadores ou arautos, tentam à todo custo emprestar ao público uma visão teleológica da Renamo, ou seja, uma perspectiva autojustificava sobre os fins últimos da sua criação. Ao fazê-lo, seleccionam, obliteram e castram propositadamente todas as passagens da história que aos olhos de hoje, têm o potencial de lhe prejudicar politicamente.
Porém, como cidadãos, temos a OBRIGAÇÃO de saber e discutir este passado, independentemente de ser BOM ou MAU. Aos historiadores e cientistas sociais, a sua obrigação é reforçada pelo imperativo da integridade académica que devem observar.
RENAMO: DO PASSADO MERAMENTE BANDITESCO AO PAPEL DA DIPLOMACIA
Existe uma extensa bibliografia que demonstra de forma inequívoca que a Renamo que hoje conhecemos passou por várias metamorfoses tanto ao nível dos seus objectivos políticos como da sua estratégia de guerra.
João Cabrita em "Mozambique: The Tortuous Road to Democracy", descreve de forma minuciosa e comprovada, com referência a fontes vivas e documentos históricos válidos, os motivos meramente banditescos que estiveram na origem da Renamo. Existem depoimentos gravados em forma de vídeo e audio disponíveis para consulta na TVM, onde Ken Flower fala dos motivos, da estratégia e do papel desestabilizador do MNR (Mozambique National Resistance depois RNM Resistência Nacional Moçambicana e por fim Renamo). O trabalho de Alex Vines (1991) não poderia ser mais sugestivo: "Renamo, from terrorism to democracy in Mozambique". Nele, Vines documenta de forma pormenorizada todos os passos pelos quais a Renamo trilhou, desde o banditismo desestabilizador à transformação para um movimento político.
RENAMO: O DESAFIO DA PERIODIZAÇÃO
Tal como tem vindo a ser o meu principal argumento, existem três periodos distintos pelos quais a Renamo passou e se transformou.
O primeiro período vai desde a sua criação em 1977 até 1984 mais ou menos, altura da assinatura do Acordo de Nkomati. Nestes primeiros sete anos a Renamo foi essencialmente um agente e instrumento desestabilizador de Moçambique. É ESTE PERÍODO QUE FICOU CONHECIDO POR GUERRA DE DESESTABILIZAÇÃO.
Criado para matar, roubar e destruir, a Renamo teve nos antigos agentes da polícia política portuguesa, regime racista da Rodésia e África do Sul e colonialistas frustrados, seus principais mentores, fundadores e patrocinadores. Só de pensar nos seus primeiros secretários-gerais tais como Orlando Cristina (primeiro secretário-geral da Renamo assassinado em 1983) e Evo Fernandes (outro dirigente da Renamo assassinado em 1988 em Lisboa)-este foi quem deu um "toque político da Renamo, de acordo com a sua viúva Ivete Fernandes - é mais que suficiente para deitar por terra qualquer projecto político nobre.
Uma coisa é reconhecer os malefícios do regime machelista, ausência da democracia multipartidária e a crueldade da Frelimo durante o período inicial da independência, outra, BEM DIFERENTE é defender a fundação da Renamo como resposta à estes malefícios. NÃO. Isto é branquear a história. Não existe rigorosamente nenhuma relação causal entre o socialismo machelista e a criação da Renamo.
O segundo período vai mais ou menos de 1984 a 1989. Genericamente é designado por GUERRA CIVIL (primeira parte). Ficou essencialmente marcado por dois aspectos. Primeiro, a transformação do movimento desestabilizador patrocinado por estrangeiros à um movimento armado autossustentável. Segundo, ao nível ideológico/político, funda-se uma Renamo com algum programa político que, no quadro da Guerra-fria reclama democracia multipartidária como leit-motiv da sua luta. Também é neste período que se intensificou a guerra, depois de as forças armadas da África do Sul terem feito os últimos abastecimentos em material bélico para a Renamo. A guerra alastra-se em todo território nacional e a Renamo chega a controlar dois terços do país. A morte de Samora Machel faz renascer a esperança do diálogo, o papel das igrejas na busca da Paz consolida-se e os primeiros contactos para a Paz são encetados, primeiro com a Africa do Sul e segundo por intermédio dos religiosos, governo Keniano, Tswana e Malawiano.
O terceiro e último período vai de 1989 a 1992 (guerra civil, segunda parte). É caracterizado pela intensificação de demarches na busca da Paz. É o tempo da diplomacia, que teve que "transformar o conflicto" para que fosse debatível. Aqui, as principais causas da guerra "tiveram que ser reinventadas: democracia multipartidária, liberdade de expressão, de opinião, blá, blá, blá. Portanto, é neste período que finalmente a Renamo é reconhecida como "interlocutor válido para a Paz em Moçambique" e no país começam as mudanças profundas, em preparação para o advento da democracia multipartidária.
CONCLUSÃO
1. Quem é o fundador da Renamo? - Inimigos da independência de Moçambique: regime rodesiano, antiga PIDE, regime de apartheid, com Ken Flower à cabeça. Tenho que reconhecer que incorro aqui a excessiva generalização.
2. Quem é o fundador do Partido Renamo? - O fundador do Partido Renamo é Afonso Macacho Marceta Dhlakama
3. Quem foi o primeiro presidente da Renamo? - O Primeiro Presidente da Renamo é Afonso Macacho Marceta Dhlakama. André Matadi Matsangaissa foi o primeiro dirigente militar do movimento desestabilizador, com os rodesianos à cabeça.
4. Quem foi o segundo presidente da Renamo? - Não existe segundo Presidente da Renamo. Sempre foi o mesmo: Afonso Macacho Marceta Dhlakama
5. Quem foi o primeiro presidente do Partido Renamo? Afonso Macacho Marceta Dhlakama
6. Quem foi o segundo presidente do Partido Renamo? Não existe segundo Presidente do Partido Renamo. Sempre foi o mesmo: Afonso Macacho Marceta Dhlakama. (se calhar, está por nascer, risos).
Onde nasceu a Renamo: A Renamo nasceu na Rodésia do Sul, actual Zimbabwe.
Ora, tudo o que eu disse aqui é discutível, susceptível de correcção, acréscimos e refutação. Mas tentei expor o meu melhor entendimento sobre o percurso desta instituição que se chama Renamo. Tendo dito isto, não quero julgar o partido Renamo pelo seu passado. Não, não é este meu objectivo. Quero tão-somente contribuir para a compreensão “holística” de uma história que se quer simplificar à custa de interesses políticos fugáveis, contingentes e quiçá, tacanhos.
Se tiver atingido este objectivo, eu posso considerar-me feliz.

Egidio Vaz

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