Um bilião de pobres: por que os países mais pobres estão a falhar e o que pode ser feito?

O relatório da Transparência Internacional sobre Corrupção aponta que Moçambique caiu 32 lugares para a posição 144. Trata-se, segundo o relatório, da maior queda que o país registou desde que o ranking começou a ser publicado há 22 anos. Segundo o jornal O Pais, “em 2015, Moçambique ocupava a posição 112 de um total de 168 avaliados. Em 2016 passou para a posição 144, uma queda de 32 lugares no índice global, onde passaram a participar 177 países”.
Com uma notícia como esta ninguém fica descansado. Ademais, os nossos “gatos” das redes sociais ainda se excitam com a "razão de sempre" e renovam a sua “virilidade crítica”como quem diz, <<já sabiamos, isto está na me*da>>.
Pois bem, o que vou dizer a seguir não visa tampouco contrapor o relatório muito menos questionar “a metodologia”, como normalmente os “céticos habilidosos” gostam de fazer, quando não concordam com alguma publicação. A resposta a este relatório é uma resenha ao livro de Paul Collier, economista e professor da Universidade de Oxford, lançado em 2007 sobre o bilião de pobres, referindo-se a mais ou menos um bilião de pobres que vivem em mais ou menos 60 países, a maioria dos quais em Africa. Da leitura do livro, a conclusão a que cheguei foi:
1.     Existem “lugares cativos” em todos índices e estudos que se fazem no Mundo; seja o Índice do Desenvolvimento Humano; seja o de percepção sobre segurança; seja sobre corrupção ou boa-governação. Moçambique e os países da Africa subsahariana posicionam-se nos últimos 60 lugares, com raras excepções a Africa do Sul, Maurícias e agoraa Rwanda. Para quem quiser provar isso, pode pegar em qualquer índice global e comparar as variações destes rankings. Serão sempre os mesmos primeiros 60 e os mesmos últimos 60.
2.     Do que decorre acima, fica claro que a noção de queda ou subida de Moçambique em qualquer ranking só se verifica dentro do mesmo intervalo, ou seja, dos últimos 60; que coresponde ao “clube dos 60/bilião de pobres.
3.     E por causa do exposto nos dois primeiros pontos, conclui que trata-se de “subidas ou descidas” previsíveis, sem muita expressão.
É verdade que não sou fatalista e nem nos devemos acomodar “no banco da areia, enquanto os outros se fazem ao largo”, só para recordar as palavras de Pascoal Mocumbi, antigo Primeiro-ministro moçambicano. Porém, o relatório não foi capaz de nos propor uma perspectiva mais útil sobre como abordar os grilhões que perpetuam os estados do clube dos 60/um bilião de pobres, pelo que pouco útil é. E de facto, o índice faz tábua-rasa à todas particularidades de cada país e lança a mesma sucuta para todos feiticeiros a fim de ver quem sobrevive à prova do mwavi. E é nesta perspectiva que morremos todos enquanto os outros sobrevivem sempre. Dito de outra forma, este índice é uma contribuição para a perpetuação dos preconceitos e prejuízos em relação à noção de desenvolvimento, pois contribui menos na mobilização de forças produtivas em prol do desenvolvimento e mais na sedimentação/acomodação dos preconceitos e de abordagens cínicas.
A seguir está a breve resenha da minha lavra sobre o livro” The bottom billion: Why the poorest countries are failing and what can be done about it.” E no fim, a minha opinião sobre os males do mesmo livro.
É um livro de 2007 escrito por Paul Collier, Professor de Economia na Universidade de Oxford. Ele explora as razões pelas quais os países empobrecidos não conseguem progredir apesar da ajuda internacional. No livro, Collier argumenta que há muitos países cujos cidadãos que não experimentaram se quer algum crescimento na renda durante os anos 1980 e 1990. Nos seus cálculos, são cerca de 60 economias (países, leia-se) que albergam quase 1 bilião de pessoas.

As armadilhas do desenvolvimento
O livro sugere que, enquanto a maioria dos 5 biliões de pessoas no "mundo em desenvolvimento" está a ficar cada vez mais rica e a um rítmo sem precedentes, um grupo de países (principalmente africanos, da Ásia Central, e um pouco por toda a parte) está estagnado, pelo que a assistência aod esenvolvimento deverá concentrar-se fortemente neles. Estes países sofrem tipicamente de uma ou mais armadilhas de desenvolvimento.
Primeiro: A armadilha do conflito: guerras civis e a recorrência de conflitos pós-conflitos. Collier argumenta que quanto mais tempo um país permanecer em estado de conflito, os actores que com ele beneficiam, se fortalecem, tornando a situação de paz cada vez inverosímil.
Segundo: A armadilha dos Recursos Naturais: Países que são ricos em recursos naturais são, paradoxalmente, piores do que os países que não possuem tais recursos, com raras excepções, como é óbvio. Collier atribui isso a uma variedade de causas. Para começar, os recursos fazem com que o conflito pelos recursos seja quase inevitável devido à falta de transparência proporcionada por atores governamentais que frequentemente usam excedentes destes recursos para seu próprio benefício. Em segundo lugar, exploração dos recursos resulta em grandes quantias de dinheiro. Isso faz com que o Estado não seja incentivado a tributar seus cidadãos. Consequentemente, os cidadãos são menos propensos a exigir responsabilidade financeira ao governo. E para terminar, a exploração de recursos naturais valiosos pode resultar em doença holandessa (dutch desease) onde as indústrias de um país tornam-se menos competitivas como resultado da valorização da moeda devido às receitas provenientes de tais recursos.
Terceiro: Países sem acesso ao mar e com “maus” vizinhos: Os países pobres sem acesso ao mar e com vizinhos pobres quase que dificilmente conseguem alcançar algum crescimento económico capaz de os tirar da pobreza. Collier explica que os países com acesso ao mar fazem trocas comerciais com o mundo enquanto os países do hinterland só podem fazê-lo com seus vizinhos. E os países do hinterland com uma rede de infraestruturas precárias junto dos seus vizinhos têm necessariamente um mercado limitado para os seus produtos.
Quarto: Má governanção e tamanho dos países: A governação e más políticas públicas podem destruir uma economia com muita facilidade. A razão pela qual os países pequenos estão em desvantagem é que, embora possam ter um baixo custo de vida, portanto, serem ideais para trabalhos intensivos em mão-de-obra, a sua pequenez desestimula potenciais investidores, que não estão familiarizados com as condições e riscos locais, pelo que optam por países mais conhecidos como China e Índia.

Soluções
Ele sugere uma série de mudanças relativamente baratas, mas institucionalmente difíceis ou mesmo quiméricas. Irei em nome da transparência, resumi-las em quatro:
·         As agências de ajuda devem concentrar-se cada vez mais em ambientes mais difíceis e aceitar mais riscos.
·         Devem ser encorajadas intervenções militares apropriadas (como as britânicas na Serra Leoa), especialmente para garantir governos democráticos e contrapor ondas de golpes de Estado.
·         São necessárias cartas internacionais para encorajar a boa-governação.
·         A política comercial precisa incentivar o livre comércio e dar acesso preferencial às exportações dos paises que perfazem os mil milhões de pobres.

A minha conclusão é que Collier é bom em identificar os erros e medíocre em propor soluções. Recordando Joseph Stiglitz, prémio nobel de economia (2008) "qualquer solução global é uma má solução". Apesar de não concordar no todo com o seu argumento, Collier é incisivo sobre o que deve ser feito tanto pelos países desenvolvidos inclusive sua indústria de desenvolvimento como pelos países em desenvolvimento. Em última análise, até que os relatórios e rankings globais deixem de servir os interesses etnocêntricos – no verdadeiro sentido do termo, pouco úteis serão para que um bilião de pobres consigam o seu caminho para fora da pobreza.  

Referências
Collier, P. (2008). The bottom billion: Why the poorest countries are failing and what can be done about it. Oxford University Press, USA.
Collier, P. (2007). The bottom Billion why the poorest countries are failing and what can be done about it the conflict trap. Retrieved from http://class.povertylectures.com/CollierChapter2ConflictTrap.pdf
Collier, P. (2008a, May 28). Os mil milhões mais pobres Retrieved from https://www.ted.com/talks/paul_collier_shares_4_ways_to_help_the_bottom_billion?language=pt
Collier, P. (2008b, May 28). The “bottom billion” [Ted]. Retrieved from https://www.ted.com/talks/paul_collier_shares_4_ways_to_help_the_bottom_billion


Comentários

Inchucando disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Inchucando disse…
Afinal, os acadêmicos escrevem bem. Ha soluções para que as nações abandanem o estado atual de guerra, pobreza, subdesenvolvimento, má Governacao, etc. As teorias econômicas apresentadas por grandes pensadores dos paises do Centro, pode ser a via mais aconselhada para as nações fracas, da Periferia.

Mas se o sistema disser:
....Qui se dani a Ciência...

Obrigado Egidio pelo lindo texto de reflexao de 2019

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