Para consertar a nossa democracia
Já lá
vão mais de vinte anos e Moçambique conta com meia centena de partidos
políticos registados; e não há garantias que o número pare de crescer.
Observando ao que mobiliza a emergência de tantas organizações políticas em tão
pouco tempo, consigo assinalar de forma provisória ou hipotética, três
factores: o fim da guerra-fria e o envangelho da democracia multipartidária
ancorado no “Consenso de Washington”; o subdesenvolvimento e a preponderância
da cartilha assistencialista internacional bem como a incompreensão que a
própria noção de democracia encerra por parte de muitos actores políticos.
Estes três factores encaixcam-se perfeitamente na nossa história política,
caracterizada por mudanças vertiginosas e violentas. A própria luta armada foi
uma experiência violenta de transição política. O socialismo foi um sistema
violento que tencioava transformar de forma radical e urgente a sociedade. E
por último, a transição para a democracia multipartidária foi igualmente
severamente violenta. O desenvolvimento do país e os curativos que têm sido
administrados são processos muito violentos também. Ou seja, vivemos os últimos
40 anos em processos de mudanças vertiginosas, o que não nos deixa com tempo
suficiente para reflectirmos a nossa condição de seres fautores da nossa
própria sorte. Não admira que a nossa cultura política seja essencialmente
violenta de mútua exclusão. Por causa disto, julgo que o que devemos tentar
perceber, cultivar a motivar não são outos ou tantos partidos políticos para
melhorar a nossa democracia. É sabermos viver na diferença; considerar vozes
divergentes e cultivar um espírito de debate interno dos assuntos. Estes são os
verdadeiros desafios. Por causa disto, e porque os programas e visões dos mais
de 50 partidos são similares, sou da opinião que todos esses se resumam em
Frelimo e Renamo e debatam e produzam dentro destes, as melhores ideias para o
país.
Precisamos
de tantos partidos políticos para sermos uma boa democracia?
A minha opinião é que não necessariamente. E tendo em conta a nossa história
recente, a emergência de muitos partidos políticos é prova do equívoco geral em
que navegamos desde o advento da segunda Constituição da República. A dinâmica
destes partidos mostra que o que de facto falta é a institucionalização destes
partidos políticos e não necessariamente a emergência de outras instituições
políticas. Falta democracia interna em muitos partidos da oposição e os que
nascem também levam consigo a herança genética destes mesmos vícios. O MDM e o
PDD nasceram da Renamo e antes de completarem 10 anos enfrenta(ra)m mesmos
desafios e problemas político-organizacionais. As crises da Frelimo só são
temporariamente sustentáveis por ser o partido no poder que gere e controla a
riqueza redistribuída em moldes neopatrimonialistas. Ou seja, os exemplos da
UNIP na Zâmbia ou MCP no Malawi mostram que partidos libertadores
desintegram-se muito rapidamente, à semelhança dos outros, quando são expostos
à secura, ou seja, quando perdem eleições.
Da observação empírica e um pouco do que tenho lido e visto pelo mundo fora,
chego a sugerir que o país não precisa de tantos partidos políticos para
consolidar a sua democracia: chego mesmo a sugerir um sistema bipartidário ao
invez de fomentar a proliferação de partidos políticos sem expressão no
parlamento nacional. O sistema bipartidário não exclui a existência de outros
partidos e a sua representação em outras câmaras. Tão-somente sugere que os
dois partidos maioritários influenciam os processos eleitorais e de governação.
E, parece que no nosso caso, cai que nem uma luxa na mão.
Ora, como se faz isso? Faz-se costurando a lei-mãe bem como a legislação
eleitoral (codificando-a) de modo a responder as necessidades do país. Mais
descentralização para acomodar vozes locais; melhor divisão dos poderes
executivos para mitigar a preponderância de um órgão sobre os demais
(politização), mais competição dos três poderes na gestão da coisa pública;
enfim, proporcionando oportunidades para que políticos profissionais vivam da
sua arte, técnicos tenham poder de decidir e cidadãos escrutinem de perto as
acções dos poderes.
Mas a democracia não se esgota no partidarismo. É preciso alargar o “cânone
democrático”, tal como sugerido por Boaventura de Sousa Santos. Os problemas da
sociedade não serão resolvidos pelo partidarismo. Serão resolvidos pela acção
colectiva dos cidadãos, longe dos departamentos ideológicos ou partidários.
Portanto, estou a referir-me a iniciativas de base; de acções afirmativas de
massa em prol de temas e assuntos concretos. Activar o activismo social é
fulcral para viabilizar a nossa democracia, longe de partidos políticos.
A nossa excessiva crença nos partidos políticos como únicos actores para
resolver os problemas da sociedade sugere duas coisas: défice de cidadania e
uma sociedade extremamente politizada.
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