DE QUEM É O “FILHO”? PARA QUE NÃO PERCAMOS A NOSSA HISTORICIDADE

Um dia, em data de que já não posso precisar, o Presidente Joaquim Chissano reclamou o facto de alguns parceiros internacionais estarem SEMPRE a recordar-nos a nós moçambicanos dos seus bons préstimos bem como do quinhão de paternidade pelo desenvolvimento social e económico de que Moçambique vem beneficiando.  Em entrevista a Televisão de Moçambique e STV, o Presidente Chissano afirmou mais ou menos assim” (cito de memória): “eu não gosto quando a pessoa que me faz um bem sempre me recorda deste bem que me fez, principalmente quando está para exigir outras coisas. Este gesto parece estar a prender-me alguma coisa” e por isso sabe a chantagem (a citação termina aí onde as aspas fecham). O Presidente Chissano reagia assim à uma das vezes que os doadores suspenderam as suas contribuições ao Orçamento Geral do Estado, já na altura do G20.

Vem isso a propósito da ponte MAPUTO X KATEMBE, cujo financiamento foi conseguido durante o mandato do Presidente Armando Guebuza.

Com as devidas ressalvas, vejo um potencial risco de perdermos a historicidade do Moçambique que é, se, à medida que celebramos as nossas conquistas como povo, formos seduzidos a reduzi-las à obra de uma pessoa só.

A necessidade de unir o país por estrada, via férrea e viabilizar a cabotagem não é de hoje. Foi das primeiras visões que os nossos pais fundadores tiveram mesmo durante a luta armada. O pensamento de Eduardo Mondlane (1960/61), o programa da Frelimo, na altura, Frente de Libertação de Moçambique (1962) são apenas referências paradigmáticas a que podemos recorrer, em caso de dúvidas. E mais, durante a VIAGEM TRIUNFAL feita pelo antigo Presidente Samora Machel (1975), tal visão já tinha sido várias vezes enunciada em comícios, discursos e planos. Hoje, ligamos norte-sul por estrada, 43 anos depois da independência. Há mais por fazer: ligar o norte e sul por via férrea. E viabilizar a Estrada Nacional número Zero (EN0), ou seja, cabotagem. Isto vai acontecer. Com as futuras lideranças e dentro das oportunidades de financiamento que surgirem.

COMPREENDER O CONTEXTO: PORQUE SÓ NA GOVERNAÇÃO DE GUEBUZA FOI POSSÍVEL OBTER O FINANCIAMENTO?

Já estamos claros que a visão económica da FRELIMO e dos governos imediatamente a seguir a independência (Samora Machel, Joaquim Chissano) tinha na infraestruturação do país como um objectivo estratégico para assegurar o desenvolvimento sustentável do país.

Ora, durante as primeiras duas décadas da nossa independência, o país foi barbaramente agredido por um grupo de jovens maus, recrutados, manipulados e financiados pelos inimigos de Moçambique. Esses jovens partiram pontes, cavaram estradas, dobraram as estradas de ferro existentes, etc., etc. Estávamos em plena guerra civil, que durou 16 anos. Imediatamente a seguir, a prioridade era reerguer as infraestruturas. Ou seja, em vez de construir, a prioridade foi de reerguer o que estava partido. Um general, cabeça-de-lista de um partido político nacional, que nas últimas eleições quis ser Edil de Maputo, também partiu a Ponte de Dona Ana (Mutarara, Tete) em 1986. Em 1995, o governo de Moçambique (Presidente Chissano, na altura), com o financiamento da USAID, a ponte voltou a ser reerguida. Tal como essa ponte, tantas outras voltaram a funcionar, incluindo linhas férreas, corredores logísticos, etc., etc.

NO PLANO INTERNACIONAL

1.      A transformação da Organização da Unidade Africana (f.1963) para União Africana (n. 2002) trouxe consigo uma agenda desenvolvimentista que tinha na infraestruturação, sua prioridade. O mesmo acontece com a transformação da SADCC - Conferência de Coordenação para o Desenvolvimento da África Austral (f. Abril de 1980) para SADC - Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (n. Agosto de 1992) e consequente publicação do seu primeiro Plano Indicativo Estratégico de Desenvolvimento Regional da SADC – RISDP 2005-2020 (Regional Indicative Strategic Development Plan) vem de novo a fazer menção com muita veemência a necessidade da infraestruturação.

Mas a questão fulcral era ONDE BUSCAR DINHEIRO?

O Banco Mundial estava na altura obcecado com suas políticas estéreis, focadas na desindustrialização dos países; com seus PRSP – documentos estratégicos para a redução da pobreza (Poverty Reduction Strategy Paper) de que nasceram os PARPAS. Não tinha tempo para ouvir o que os governos africanos diziam. Mas na década de 2000 começa a surgir uma “moda” no seio dos estrategas de desenvolvimento, que começam a puxar pela agenda do financiamento para a infraestruturação de África, ora retomando os sonhos e visões do Sheik Anta Diop, Historiador, antropólogo, físico e político senegalês que estudou as origens da raça humana e a cultura africana pré-colonial, retomadas pelo Thabo Mbeki (RSA) e Abdoulaye Wade (Senegal) sob a forma da filosofia de “renascença africana” ou pelos primeiros Secretários-executivos da União Africana Salim Ahmed Salim e Amara Essy, entre outros.

Dentro do Banco Africano para o Desenvolvimento, Donald Kaberuka, seu antigo Governador (natural do Rwanda) emerge como um dos grandes defensores. Juntos, o Banco Mundial, o Banco Africano de Desenvolvimento, o Banco Islâmico e tantos outros começam a financiar projectos de infraestruturação da África. Mas tudo isso acontece dentro de um embaraçoso e complexo esquema de financiamento, que ainda dificulta a rápida infraestruturação da África, em parte devido ao tipo de obrigações de política que estes exigiam.

A ENTRADA DA CHINA

Tudo muda quando a China entra em cena. A CRIAÇÃO DA EXPORT–IMPORT BANK OF CHINA OU EXIM BANK EM 1994, MUDA TUDO.

O DINHEIRO FRESCO concedido pelo governo chinês a partir do limiar da década de 2000 acelera o apetite dos estados africanos em obter créditos concessionais com a China. União Africana, SADC e outros blocos regionais afluem a China em busca do dinheiro que tanto falta faz para a infraestruturação da África e dos estados individuais. Não admire que em notar que só a partir dessa década que a Africa começa a erguer gigantescas infraestruturas estratégicas. Digo, todo continente africano! 

Esta história podia continuar. Existem detalhes que, por economia de palavras prescindi de mencioná-los, mas o objectivo fulcral desta viagem pela história tem por simples objectivo DEMONSTRAR que o financiamento dessas infraestruturas só está acontecendo agora dadas as oportunidades que surgem no plano internacional bem como a capacidade de endividamento dos estados. Por outras palavras, a Governação de Chissano criou condições macroeconómicas para que Guebuza conseguisse este empréstimo. Lembre-se que na história do desenvolvimento de Moçambique, o país atingiu um crescimento de dois dígitos na governação de Chissano, sendo Tomás Salomão e Luísa Diogo a dupla no Ministério das finanças. Se Chissano tivesse deixado o país em guerra, dificilmente poderíamos ter conseguido tal proeza. É um exemplo.

Similarmente, se o Presidente Nyusi conseguir assegurar a paz e estabilidade política do país, o próximo presidente poderá partir destas condições para acrescentar mais um louro a nossa história de desenvolvimento. A governação de Samora conseguiu assegurar que os meninos maus não invadissem a cidade. Chissano partiu dessa base e negociou a Paz em 1992.

A governação de Guebuza, mesmo tendo assegurado maiores projectos de infraestruturação do país - eu reconheço-o como o grande construtor, não conseguiu terminar o dossier da Paz com Dhlakama, tendo a guerra reacendido nos finais de 2012. Se calhar, e querendo ser conspirador por instantes, foi justamente esse promissor cenário do rápido desenvolvimento que o país apontava, com a descoberta dos recursos energéticos que nos foi movida a guerra. Mas este é outro assunto. 

Ora, se a Paz é o garante do desenvolvimento, então, o Presidente Nyusi está certo ao apostar na consolidação desta mesma paz efectiva como forma de até salvaguardar o pouco que se conseguiu construir, o muito que se conseguiu reconstruir e os mais de 27 milhões de moçambicanos vivos, sem contar com os nossos irmãos que escolheram viver em Moçambique para trabalhar, prosperar e serem felizes.

Essa é a nossa história! A nossa gesta começa muito antes de 1962. Mas foi nesse ano que o “monstro acordou” para caminhar inexoravelmente pela autodeterminação, desenvolvimento e recuperação da identidade arrancada à ferro e fogo pelos colonialistas portugueses.

Nós temos um sonho. O sonho de liberdade, mas também do desenvolvimento. O roteiro para o desenvolvimento vem de 1962 e os vários dirigentes que vêm governando o povo moçambicano têm sabido cumprir com o roteiro. Isso tem nome: chama-se FOCO.

A ponte é nossa. Quem a ergueu fomos nós. Viva Moçambique. Ergueremos mais, outras pontes, vias férreas, portos e tantas outras, hoje, amanhã; futuras gerações de moçambicanos e seus líderes darão continuidade do sonho moçambicano.

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