UM POUCO DA HISTÓRIA DO DESENVOLVIMENTO GLOBAL


Não irei me alongar, mas a realidade é seguinte: nunca em algum momento países ricos quiseram de facto erradicar a pobreza mundial. A propósito, porque o fariam? E para o nosso caso, cortar o apoio orçamental foi uma intenção ensaiada desde 2008/9 quando à luz das várias avaliações comissionadas pelos próprios parceiros e governo, já se mostrava problemático. O princípio que norteava tal consórcio inspirado na Declaração de Paris sobre sobre a Eficácia da Ajuda (2005) prometia um alinhamento aos programas e prioridades do governo bem como previsibilidade dessa mesma ajuda.

Na prática, tal “alinhamento” e “previsibilidade” implicavam um complexo articulado de “condicionalismos”, prioridades individuais em confrontação com as do país receptor. Por exemplo, um país A estaria disposto a dar X valor desde o momento que Moçambique operasse esta, esta e aquela mudança na sua lei de pescas, de importação/exportação ou criasse Lei da Família, por exemplo.

O consórcio que apoiava o orçamento geral do estado começou com 22 países doadores e foi diminuindo para 19 e depois para 14 (setembro de 2015). Cada país que abandonava elencava suas razões incluindo a retirada física de suas representações de Moçambique, “incumprimento” das metas acordadas na matriz de desempenho dos PAP, entre outros. A história que não se conta é de que estes países, baseando em várias avaliações e preconceitos, já apontavam para a inviabilidade do modelo. O desentendimento surgia não apenas entre países doadores, mas também devido a mudanças radicais sofridas na Europa e EUA a partir de 2007, fruto de crise global e que permitiu a chegada ao poder de dirigentes populistas e com muito pouca sensibilidade aos princípios que governavam o consenso sobre o desenvolvimento global, a erradicação da pobreza e o multilateralismo bem como ignorância a temas relacionados com o desenvolvimento internacional.

Um desses consensos quebrados era por exemplo, o de que os países desenvolvidos devessem alocar até 2015 0.7% do seu PIB para o desenvolvimento internacional. Tal cifra foi atingida por poucos países entre eles a Holanda e Noruega. Por exemplo, Portugal nunca chegou a 0.5%. EUA, apesar de ter dado em termos líquidos muitos triliões de dólares, também se quedou aquém da meta. E o consenso morreu ali.
Os novos governantes do ocidente rasgaram a Declaração de Paris e a partir das suas estratégias de assistência aos países, redesenharam as suas prioridades tendo radicalizado as condições para o acesso a estes financiamentos, com condicionalismos labirínticos tais sejam “a defesa dos direitos humanos e das minorias” ou vagamente “boa-governação”, ou ainda “alinhamento com os valores da democracia, liberdade”, etc.,etc.; condicionalismos esses que davam uma ampla vasão para avaliações preconceituosas.

Deixe-me fazer uma pausa para dizer que se existe no Mundo países que sabem dançar todo tipo de dança, estes países são os mais pobres. Eles precisam dominar e articular seus interesses nacionais com cada um dos países que põem dinheiro nos seus orçamentos nacionais. Não tem sido tarefa fácil. É, portanto, importante reconhecer e dar mérito a esses técnicos que devem saber e antecipar os ciclos orçamentais de cada país doador e mesmo assim ser bom “parceiro”. Gerir mais de 20 agendas externas é mais do que um bico de obra. É como dançar Samangwana. Cansativo.

A saída de cada país da participação do orçamento do estado não foi necessariamente endógena. Foi sim exógena. Quando novos governos chegaram na Europa, pegaram no mapa-mundi e fizeram a seguinte pergunta: onde é que o nosso dinheiro trás lucro? Foi em função tal que, não representando seja ameaça ou vantagem estratégica, África no geral foi preterida. Havia que fazer escolhas; financiar as guerras, pilhar os recursos lá onde países mais permeáveis assim permitia. Mas em Maputo, para se manter a linguagem diplomática e sacudir-se a responsabilidade ao receptor, tinha que arranjar qualquer motivo, incluindo o genérico “falta de progressos assinaláveis nos sectores XYZ” ou mesmo sugerir nomes que devessem ser presos porque publicamente conhecidos como corruptos, consciente de que tal sugestão não só é ilegal, mas irresponsável.

Mas isso tinha que acontecer com a “alguma sociedade civil” a servir de cavalo de troia, pois a imagem do país foi sempre mal pintada por estes agentes internos, mais autóctones. Não que o país não enfrente o flagelo da corrupção ou má-governação. Só que para combatê-la, é justamente importante que haja recursos. Em 2004, Nancy Birdsal investigadora do CGDev (EUA) escreveu um texto que, traduzido ficaria “sete pecados mortais, reflecção sobre os erros dos doadores”. O pecado número um desses doares é, segundo a Nancy, IMPACIÊNCIA (com o fortalecimento das instituições). E este erro prevalece até agora (veja aqui: http://bit.ly/2EtRAxF). Tanto os doadores como ALGUMA sociedade civil agem como se o país tivesse as instituições à altura dos desafios da corrupção e olham para tais desafios como resultantes da mera falta de vontade política. Nem sempre é isso. E mesmo lá no ocidente e com mais de 100 anos de democracia existem inúmeros casos de corrupção reportados, outros não esclarecidos.

Concluindo, é bem melhor que tenhamos passado por esta experiência amarga, e que o apoio ao orçamento nunca mais volte. Tal não significa recusar os apoios que o país vem recebendo de diversos quadrantes – e precisa, mas tão-somente não repetir os mesmos erros, os mesmos procedimentos que nos custaram o bom nome la fora.

Comentário e debate em: https://www.facebook.com/egidiovaz/posts/2360326314195199

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