Poder Político e Aduladores: que relação?
Querer é poder e quem vive de esperanças morre em jejum.
Benjamim Franklin
Este texto foi escrito e publicado no finado Jornal Embondeiro em 2004, em plena campanha eleitoral. Por acha-lo útil para o debate, exponho-o de novo aqui.
Os líderes políticos, candidatos ou não, gostam muito de serem elogiados e reconhecidos como verdadeiros militantes! Os lambe botas, ou bajuladores aproveitam este momento para aproximarem-se dos chefes e, principalmente dos candidatos à Presidência da República.
Nenhum candidato ao cargo de PR por exemplo, não gosta de ser elogiado! Porém, cuidado com os lambe botas. Podem não estar a falar a verdade. Podem só estarem a perseguir seus objectivos. E quais são então as motivações que levam a que uma pessoa idónea, séria e em perfeito estado do seu juízo se torne num lambe botas, puxa-saco, adulador, bajulador ou, em linguagem dos próprios lambe botas, lobista?
Uma das motivações é que a política lida com um valor que é muito cobiçado: o poder. E o séquito de atributos sociais que nele estão pendurados, como o estatuto, o prestígio social, as oportunidades de negócio, a satisfação da vaidade pessoal, o sentido de importância pessoal, a condição de celebridade, a capacidade de fazer valer sua vontade sobre outros, para citar apenas os mais óbvios.
A política, portanto, e o poder que dentro dela e por meio dela se conquista, atrai bajuladores para os seus círculos como a luz atrai as mariposas de verão. No interior deste mundo encontram-se os poderosos, pontos focais das atenções, dos agrados, da bajulação, da busca de acesso e proximidade, tanto pela capacidade de usar seu poder para gratificar, escolher, promover, prestigiar, como para prejudicar, para perseguir, punir, excluir... Para a maioria das pessoas - em todos os tempos e lugares - a bajulação, o elogio, a adulação, o lambebotismo são considerados - justificadamente - o caminho mais curto e seguro para chegar ao coração do poderoso.
A importância da função de governar, as responsabilidades indelegáveis, os riscos pessoais e políticos, legitimam aquela cobiçada condição hierárquica superior, e a correspondente deferência e respeito com que são tratados os governantes. A bajulação e a adulação são as caricaturas das atitudes cívicas e viris de consideração, respeito e deferência para com a autoridade. Maquiavel, encarando o problema do ângulo do governante, as define como "uma peste": "Refiro-me aos aduladores, tão abundantes nas cortes; porque tanto compraz aos homens serem elogiados, e de tal forma se enganam, que dificilmente se defendem desta peste". - O Príncipe, Cap. XXIII.
O facto é que, como diz Maquiavel, "compraz aos homens serem elogiados". Como tal, não há como ignorar que são os poderosos, as autoridades, que geram os lambe botas. Fossem eles mais resistentes e indiferentes às adulações, elas não seriam praticadas com tanta frequência. São porque, por certo, produzem os resultados desejados.
Esta é uma das grandes lições de Maquiavel: advertir o Príncipe (governante/autoridade) para os riscos de ceder à tentação de cultivar a adulação em torno de sua pessoa. Ela é um daqueles doces venenos que o governante gosta de ingerir.
Se por um lado Maquiavel alerta aos príncipes dos perigos da bajulação, por outro aparece o Cardeal Mazarin, sucessor de Richelieu na Corte Francesa, a dar conselhos aos lambe botas, bajuladores e aduladores. Este cardeal pode servir de contraponto ao texto de Maquiavel, pois Maquiavel aconselha o príncipe, e Mazarin os lambe botas.
Dirigindo-se a estes Mazarin aconselha: "Fala sempre com um ar de sinceridade, faz crer que cada frase saída de tua boca vem directamente do coração, e que tua única preocupação é o bem comum. Afirma além disso que nada te é mais odioso que a bajulação.(...) ... exercita-te em simular cada um dos sentimentos que pode ser útil manifestares, até estares como impregnado deles. Não mostres a ninguém teus sentimentos reais. Disfarça teu coração como se disfarça um rosto. Que as palavras que pronuncias, as próprias inflexões de tua voz participem do mesmo disfarce. Jamais esqueças que a maior parte das emoções se lêem no rosto". In: Breviário dos Políticos- Cardeal Mazarin- Apresentação Bolivar Lamounier.
O governante prudente sabe que a maioria dos elogios que recebe são falsos, são actos de bajulação interessada. Mais ainda, seguindo o conselho de Maquiavel, ele procurará evitar que se crie, em torno de sua "corte" uma atmosfera de bajulação.
O único modo de evitar as bajulações consiste em que as pessoas entendam que não o ofendem por dizer-lhe a verdade. Mas atenção, Maquiavel apressa-se a alertar: "Entretanto, quando todos podem dizer-te a verdade, perderão o respeito pelo Principe. O Príncipe prudente deve escolher homens sábios, que dele tenham a permissão de dizer a verdade, mas somente a respeito daquilo que lhes é perguntado. (...) O Príncipe deve aconselhar-se sempre, mas somente quando deseje e não quando os outros queiram. Convém que se lhes tire o hábito de dar conselhos que não foram solicitados. Mas, ao mesmo tempo, pedir conselhos quando necessite, sem impor restrições, e ouvir com muita paciência e atenção as respostas que seus conselheiros dão às suas perguntas, para que a perturbação que o respeito impõe não impeça nenhum deles de expressar suas opiniões".
Cuidado, pois, com os elogios. Eles embriagam, e entorpecem o seu espírito crítico. Além disso, a equação (de 15 elogios, 14 são falsos) é sempre uma valiosa lembrança. Ela pode ser exagerada, mas está no rumo da realidade.
Que fazer com os bajuladores da nossa TV?
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