Colectivização do risco e privatização do lucro: A governação de Guebuza em cinco tempos
Há poucos dias do fim do prazo para a entrega das candidaturas e início da pré-campanha, importa, a guisa de balanço, radiografar os quase cinco anos da Governação de Armando Guebuza, Presidente da República de Moçambique. Fá-lo no consciente usufruto dos direitos de cidadania consagrados na constituição e demais disposições legais nacionais e internacionais, das quais Moçambique é dos mais entusiastas e advogados.
O texto pretende analisar cinco principais marcas da governação de Guebuza e argumentar que ele foi a pessoa que mais lucrou em tudo o que fez. Nalguns momentos, embaraçou o próprio partido que dirige; noutros, embaraçou-nos a todos nós e principalmente aos pobres. “É possível combater a pobreza”, ele tem dito. Porém, volvidos cinco anos, é justo dizer que os alicerces da pobreza não foram abalados; antes pelo contrário, foram acariciados; a competência profissional e tecnocracia seduzidas ao inferno e a política elevada ao altar.
Primeiro tempo: Distrito Pólo de Desenvolvimento e Planificação
Risco assumido por todos: capacidade técnica que se reflecte na grande baixa qualidade de desempenho no alcance de metas previamente planificadas.
Beneficiários principais: elites locais mais reforçadas
Lucrou: Armando Emílio Guebuza. Mais poder; mais legitimidade para vigiar e punir. O Presidente da República consegue com esta medida sair-se mais poderoso na medida em que conseguiu por um lado, expor os problemas reais que grassam a administração pública em Moçambique, nomeadamente a corrupção, a incompetência e a falta de quadros qualificados para responder aos desafios de governação por ele apresentados. Por isso e por causa disso, conseguiu criticar os seus subordinados em público; “deixou o povo denunciar”os administradores e outros servidores do estado aparecendo assim ao “olho”público a imagem de um Guebuza que “quer mudanças”mas que “os seus colaboradores ainda não o entendem”.
Segundo tempo: imortalizar os heróis, relembrando-os; celebrando os seus feitos
Risco assumido por todos: fantasmas levantados: Remorso por parte de alguns membros históricos da Frelimo, ao verem famílias de ex-combatentes na penúria e eles muito bem-sucedidos. Familiares de John Issa, Francisco Manyanga, Tomás Nduda e outros que tombaram na luta armada vegetam pelo país fora, sem nenhum meio de sustento. Momento de reflexão para todos, e principalmente para a Frelimo que por lado soube tomar esta decisão mas que ela será incompleta se não for acompanhada com medidas reabilitadoras de vidas devassadas pela pobreza em que a maioria de membros directos dos que ora são considerados heróis vive.
E, quanto a nós, ficamos a saber que afinal, traidor não é apenas aquele minúsculo grupo que na altura foi devidamente identificado, capturado e aniquilado como mandavam os doutos versos da revolução socialista, mas sim, e acima de tudo, a maioria que ora vive faustosamente, nadando em dinheiro amealhado ao longo do tempo desde que herdaram esse país e logo se esqueceram da memória, do legado e dos familiares daqueles seus camaradas que tombaram em plena luta armada, também sonhando por um futuro melhor para eles, seus familiares e o país inteiro!
Beneficiários principais: se bem que seja parcialmente, o Partido Frelimo privatiza aqui a História, confundindo de forma grosseira e deliberada o movimento nacionalista, aglutinador de todas sensibilidades que a Frelimo era na altura, do Partido Frelimo nascido em Maputo, no Clube Militar, a 7 de Fevereiro de 1977.
Lucrou: Armando Emílio Guebuza. Guebuza sai aos olhos dos familiares lembrados, incluindo aos espíritos libertadores da pátria, como o único líder do Partido e do País que finalmente conseguiu recordar-se de seus camaradas e devolver-lhes o devido respeito, volvidas mais de três décadas de independência! Não é pouco. E como cereja por cima do bolo, cria o Ministério de Antigos Combatentes capitaneado por também um antigo combatente. Quanto ao desempenho, este, que se dane.
Terceiro tempo: Sete milhões de meticais e mais um delta x para o Distrito
Risco assumido por todos: dinheiro perdido. Má gestão, corrupção, nepotismo; partido Frelimo e “Governos”distritais incestuosamente mancomunados para “gerir” os sete bis.
Que todos anos ouvimos populares reclamando da má gestão dos sete milhões alocados ao distrito, ninguém duvida. O próprio PR é vigoroso nisso. Que há administradores que discriminam na base de cor partidária na alocação do dinheiro, todos sabemos; que estes administradores às vezes alocam fundos apenas aos seus pares, também não precisamos elaborar tanto. Por isso, passemos para o ponto seguinte.
Beneficiários principais: elites locais do partido Frelimo, chefaturas, servidores do Estado mas ligados ao Partido Frelimo. Porém, se bem que a partição peque por ser discriminatória, os sete bis, nalguns lugares acabaram contribuindo para a revitalização económica, social e cultural da população e sobretudo, na a fortificação da Frelimo. Afinal é ela que fez; é ela que faz! [E Edson Macuácua aumenta...”e que sempre fará”].
Lucrou: Armando Emílio Guebuza. De tantas características que um chefe africano deve ter, uma delas é a generosidade. E também deve ser redistribuidor. Com os sete milhões no bolso, os Administradores são autênticos reis da terra. Mandam e só devem satisfação ao “pai da nação”por via do Governador Provincial. E, com tantas falcatruas que ouvimos de populares em presidências abertas, milagrosamente nenhum administrador está na rua nem na prisão. Estes, serão eternamente gratos a Guebuza; devem-lhe a vida inteira. Finalmente já circula dinheiro fresco nos distritos e em bolsos muito bem identificados. Isto nunca aconteceu desde 1975 até há bem pouco tempo.
Armando Guebuza lucra por ter tomado esta iniciativa corajosa e ter materializado na prática, a ideia de descentralização de recursos. O efeito político desta decisão é incontestavelmente avassalador. O desempenho que se dane. E, nos distritos, quem quer dinheiro que se alie a Frelimo. “Se é da oposição, é contigo!”E, felizmente exemplos para servir de lição não faltam.
Quarto tempo: Presidências abertas
Risco assumido por todos: despesismo. Seis helicópteros alugados por muitos dias no terreno mais uma comitiva presidencial, vivendo a custa do erário público durante muitos dias, com a vantagem de não prestar contas a ninguém. Bastará dizer que estava com o presidente e tudo fica resolvido!
Beneficiários principais: empresas prestadoras de serviços de restauração, segurança, aviação, seguradoras, etc. também elas ligadas as elites locais.
Lucrou: Armando Emílio Guebuza: Com as presidências abertas ficamos todos a saber que o Presidente da República gosta do seu povo e por isso visita-o sempre que puder. Tirando a vantagem do cargo presidencial que ocupa, foi organizando sessões de conselhos de ministros alargados á várias amplitudes, onde pudesse caber Administradores de Distritos, Governadores, Secretários provinciais e distritais do Partido Frelimo e outras individualidades estratégicas para o seu partido. Tudo isso deu no fortalecimento do Partido por um lado, e concedeu-lhe maior poder de controlo sobre os seus colaboradores, por outro.
Armando Guebuza supera de longe, todos os outros candidatos a presidente da República de Moçambique e, podemos desde já assumir que ele é o candidato presidencial mais conhecido, com larga vantagem para ganhar as eleições, fruto das presidências abertas, que colocou o seu nome, obra e planos para o futuro mais perto do cidadão comum. Durante as presidências abertas, Guebuza foi dizendo o que está a fazer, o que irá fazer no próximo ano (assumindo dessa forma que será ele, o vencedor), lembrando sempre as pessoas que “é possível vencer a pobreza”se todos trabalharmos juntos. Assim, foi inaugurando obras de engenharia com o seu nome; escolas com o seu nome o da Primeira-dama, incluindo associação A Gubas! Estou seguro que nenhum moçambicano não sonhou ainda com o seu Presidente desde que este assumiu o leme da nação.
Quinto tempo: socialização da Frelimo
O discurso de Edson Macuácua não deixa dúvidas. “A vitória da Frelimo é um imperativo nacional!”. “A Frelimo é o povo moçambicano”. “A Frelimo não vai querer ganhar tudo. Vai deixar alguns assentos para os partidos da oposição pois ela é democrática”. Portanto, a Frelimo precisa da oposição para se legitimar.
O resultado de tudo isso é que temos agora uma Frelimo que deverá trabalhar para garantir alguns assentos aos partidos da oposição, caso o contrário ficará ela sozinha na Assembleia da República, pondo assim em causa a democracia multipartidária que tanto diz ser autora.
Esse discurso é simplesmente Grave. Mas compreensível. Leia por favor o meu post anterior.
Comentários
E.
Eu penso que ha' "consenso" suficiente que Guebuza e' um "bom" politico, isso na definicao Maquiavelica do conceito! Se politica e' a arte de conquistar o poder e procurar mante-lo o maximo possivel, Guebuza tem joga as pedras nesse sentido! Desde a limpeza que efectuou a "ala Chissano", introduzindo caras novas, mas cuja competencia o numero recorde de exoneracoes veio por em causa; passando pela introducao de "administradores" nos Municipios; fragmentacao de alguns municipios; nomeacao de um Secretario-geral que nao lhe exerce "pressao"; Destruicao da carreira politica de Comiche, que sem sombra de duvidas entraria para a "linha de sucessao" (alguem hoje tem ideia, quem substituira Guebuza?); e os demais pontos que apontaste, evidenciam o suficiente, o tipo de governacao/governante que este pais esta' a viver!
O desafio que se nos coloca e': "Se por causa de um politico que nao da maos a medir para assegurar o poder absoluto, os ganhos de democracia, Estado de Direito, inclusao, meritocracia, etc, que vinham sendo conquistados, deverao ser sacrificados??"
Ate' aqui, todas estas "red flags" estao a ser ignoradas! Eu nao me admiraria que a alteracao da constituicao para acomodar um terceiro ou mais mandatos, nao seja um cenario a ser "equacionado", caso a sonolencia do eleitorado assim o permita!!
As suas incertezas e angústias são também minhas. E, para ser sincero comigo próprio, não admirarei se num destes dias ver pessoas a marcharem na Julius Nyerere em apoio a um terceiro mandato do timoneiro da nação! Isto está pior!
Abraços e estejamos atentos.
Essa é uma leitura possível sobre as grandes marcas da governação de Guebuza e, como dizes, está dentro dos teus direitos ver as coisas dessa forma.
No entanto, acho que a tua análise peca por mostrar um único lado da coisa. Não acredito que o reforço do associativismo nos distritos, os grandes campos de produção, os tractores, as alfaias agrícolas, as cantinas rurais, etc..., que temos visto em diversos distritos através dos programas Ver Moçambique (TVM) e Moçambique em Acção (STV), representem, simplesmente, lucros para o Armando Guebuza.
Não acredito que a resolução de problemas cíclicos de fome nos Distritos como Jangamo, Mabote, Mogovolas, Erati, Mecuburi, etc..., representem, simplesmente, lucros para o Armando Guebuza.
Não acredito que as presidências abertas tenham de ser vistas, simplesmente, sob o ponto de vista das despesas. Acredito que, apesar das despesas, Guebuza foi justificar aos seus eleitores aquilo que prometeu durante a campanha. Não ficou a dormir na imponente ponta vermelha, enquanto a população sofria.
Acredito que existe algo mais que os seis helicópteros. Acredito que se não fosse aos distritos diriam que o 4x4 relaxou depois de alcançar o poder.
Acredito que, apesar das despesas com helicópteros, dos lucros de Guebuza, quem saiu realmente saiu a ganhar foi o Povo Moçambicano.
Sou da opinião que o excesso de negativismo, assim como o excesso de elogios, põe em causa a isenção da análise. Acho que é a continuação do debate apóstolos da desgraça versus puxa sacos.
Peço desculpas, mas é a forma como vejo as coisas e como dizes, fá-lo no usufruto dos direitos de cidadania consagrados na constituição e demais disposições legais nacionais e internacionais, das quais Moçambique é dos mais entusiastas advogados.
Orgulhosamente Moçambicano
Nuno Amorim
Muito obrigado pelas achegas. Confesso sim sou negativista, aliás, céptico em relação ao estágio da nossa democracia. O esforço intelectual que exerço aqui não está eivado de mas intenções, e sim na busca de uma reflexão superadora.
Assim e por exemplo, este blog é essencialmente virado para a análise política. E política tem a ver com o poder. Neste caso, e se como pode notar, a análise que faço a governação de Guebuza é para aferir as codnições que tem para uma eventual vitória retumbante nos próximos pleitos eleitorais. PSim, o povo saiu a ganhar. Esta, em política, é uma externalidade positiva. A essência da política é a busca, gestão e manutencão do poder de Estado. Assim, tudo o que ele fez foi nesse sentido, dentro dos canones democraticos. E Amorim irá concordar comigo.
Deixo assim a análise social para outra gente.
No fundo, estamos no mesmo barco!
Abraços.
Estou a preparar um texto (provavelmente será uma réplica) que eventualmente irei publicar no meu blogue de economia, sobre o mesmo assunto que abordas.
Como política e filosofia cruzam-se muito eu prefiro investigar um pouco mais antes de opinar sobre um outro lado das coisas em relação ao teu texto.
No entanto, mais uma vez os meus parabéns por continuares a ser o mesmo !
Hugz
Basilio
Muito obrigado pela promessa. Aguardo ansioso pelo texto.
Caro Nero, muito obrigado pela vista.
Ambos: adorei ter estado no debate da Rádio Índico no sábado. Próxima semaa há mais!
Sempre,
cP3.0.