AFINAL, PARA QUE É QUE “CRIAMOS” O MINISTÉRIO DA JUVENTUDE?
Esboço crítico sobre o sector da Juventude
visto a partir do Plano Quinquenal do Governo
Na verdade, é muito mais fácil
entender o que o Ministério dos Combatentes vai fazer nos próximos 5 anos do
que o Ministério da Juventude e Desportos.
INTRODUÇÃO
Começarei por um esclarecimento: o
plano ora em alusão ainda não foi aprovado. É ainda uma proposta, mas que já se
encontra no website do governo. Ele
ainda vai ao Parlamento e se calhar, ao Comitê Central da Frelimo que se reúne
entre os dias 26-29 para o endossar. Portanto, ainda é susceptível de alguns
ajustes pontuais. É neste espírito que, acreditando no potencial de poder
contribuir, teço as presentes considerações críticas.
Quando o meu amigo Alberto
Nkutumula foi nomeado ministro da Juventude e Desportos, o meu coração
alegrou-se. Ainda, com nomeação da Ana Flávia Azinheira, contente ainda fiquei.
Aprecio o seu profissionalismo e são pessoas cujos percursos profissionais
tanto admiro. Ora, este entusiasmo ainda
existe, pois acredito que algo pode ser feito por eles em prol de um Ministério
da Juventude preocupado com os jovens e com o desporto, na sua dimensão
transversal.
PLANO QUINQUENAL DO GOVERNO: UMA CRÍTICA METODOLÓOGICA
Lendo a proposta do Plano
Quinquenal do Governo, podemos ver que o compromisso deste Ministério recai
sobre a prioridade II, sobre o desenvolvimento do capital humano e social. No
seu IV objectivo estratégico, pode se ler “promover
a participação da juventude nas actividades socioculturais, desportivas e
económicas como mecanismo para massificar a prática regular da actividade
física e desportiva e melhorar a qualidade de vida, saúde e bem-estar da
população”. Para satisfazer estes objectivo estratégico, o PQG 2015-2019
propõe-se a realizar as seguintes acções:
a) Estimular
a iniciativa juvenil e/ou empreendedora para o auto-emprego e geração de
rendimentos nas áreas da agricultura, comércio, pesca, transporte, tecnologias
de informação;
b) Formar
e capacitar técnica e profissionalmente os jovens nas áreas de gestão
associativa, agricultura, turismo, indústria, pesca, recursos minerais e
Tecnologias de Informação e Comunicação que estimulem a criação de micro e
médias empresas detidas por jovens;
c) Promover
Fóruns multigeracionais de diálogo que estimulem a participação e integração
dos Jovens;
d) Garantir
a prática regular da actividade física e desportiva em todos os subsistemas desportivos;
e) Promover
a massificação da prática desportiva nas diferentes modalidades, incluindo a
formação dos agentes desportivos;
f) Promover
o desporto escolar;
g) Promover
iniciativas de preservação de espaços de prática da actividade desportiva nas zonas
urbanas;
h) Fortalecer
as Federações e associações para o desenvolvimento das modalidades desportivas;
i)
Estabelecer Centros de Formação Desportiva (Lar
do Atleta) regionais na cidade de Lichinga e nas vilas de Gondola (Manica) e
Namaacha (Maputo Provincia);
j)
Estabelecer o Instituto Médio de Formação
Desportiva;
k) Conceber
e implementar o sistema de profissionalização do desporto nacional;
l)
Consolidar o ensino artístico através do
alargamento das instituições de formação cultural e artística de nível básico,
médio e superior.
Para começar, importa referir que
este Plano está com todos problemas que uma “tese” poderia ter. SIM, uma
proposta de trabalho é em si uma tese: e ela tem problemas conceptuais e
problemas de forma.
O Plano tem problemas conceptuais
porque confunde os conceitos e, quando consegue, formula mal os problemas que
pretende resolver. Por exemplo, em toda sua extensão, o plano confunde os conceitos
de ACÇÃO e ACTIVIDADE. Uma actividade envolve várias acções. Por exemplo,
realizar uma formação NÃO é acção. É uma actividade. As acções desta actividade
iriam desde o aluguer do espaço para a formação até a compra de canetas e
blocos de nota ou compra de água e refrigerantes.
Ora, vejam as “acções” elencadas
das páginas 17 a 18 do PQG (da alíneas a A i aqui mencionadas) e
confiram se na verdade correspondem a acções
ou actividades. Assim, o PQG
confundiu acções com actividades. O que o plano traz são actividades e não acções.
E está correcto mas confundiu os conceitos.
O segundo problema conceptual é
na formulação dos objetivos estratégicos. Há técnicas na sua formulação. Um
objectivo estratégico não é declaração de intenções ou de amor. Um objectivo
estratégico não é dizer o que vai fazer. Estabelecer um objectivo estratégico é
uma ciência em si. Exige método e rigor, mas principalmente competência para
poder estabelecer uma coerência hierarquizada de objectivos e metas por atingir
dentro de um determinado exercício.
Para começar, importa referir que
não basta lançar boas ideias para chamá-las por objectivos estratégicos. A
definição dos mesmos deve ser precedida de um conhecimento concreto da sua
natureza.
Em teoria existem três tipos de
objectivos, dispostos de forma hierárquica, nomeadamente: metas estratégicas que
são declarações globais sobre onde se pretende chegar; objectivos táticos - que
são os resultados que grandes divisões ou departamentos ou ministérios de uma
determinada organização devem atingir dentro de um determinado espaço temporal
e por fim, objectivos operacionais, que são resultados específicos que
determinados departamentos devem produzir dentro do mesmo temporal.
Ora, o primeiro grande problema
deste Plano Quinquenal (os planos anteriores foram piores) foi justamente ter
confundido tudo. Não tiveram em conta a hierarquização nem o escalonamento
aquando da definição dos seus tantos objectivos estratégicos. Todos eles se
situaram ou ao nível ou da primeira categoria dos objetivos (metas estratégicas) ou ao segundo nível
(objetivos tácticos).
Mas isto é sintomático. Não é de
hoje. É uma herança cultural que consiste no desrespeito pelo método e muita
sedução pelas metanarativas.
Já em 2011 se a memoria não me
trai, o Professor Lourenço do Rosário lamentou em entrevista, o facto de os
dirigentes ministeriais e ao nível da província estarem a vozear
repetitivamente a mesma coisa que o Presidente da República Armando Guebuza dizia.
Ou seja, se o Presidente da República dissesse que era preciso combater o
espírito de deixa-andar, o ministro, em seus documentos e discursos dizia o
mesmo; o governador em suas “governações abertas” também dizia a mesma coisa.
Por sua vez, o administrador, quando fosse as localidades, reproduzia o
mesmíssimo discurso. No final, todos ficavam pelo discurso. Ninguém, ao nível
mais baixo era capaz de traduzir a visão estabelecida pelo Presidente da
República (acabar com espírito de deixa-andar) na prática; com objectivos,
metas e acções concretas. Acções,
repito.
É justamente o mesmo que aconteceu
neste PQG 2015-2019. Incapacidade de estabelecer uma hierarquia de objectivos
estratégicos que se harmonizam na prática; grande confusão de conceitos e
problemas de fraseologia e preferência pelas meta-narrativas.
Este Plano Quinquenal tem SIM metas estratégicas, que estão definidas
na parte introdutória do plano. Lá está plasmada a visão, onde o governo quer
levar o país nos próximos cinco anos. O que deveria seguir seriam as ditas metas tácticas e por fim, os objetivos tácticos, ou seja, as
actividades e acções. Estes dois últimos tipos de objectivos constituiriam
nomeadamente, (a) objectivo estratégico e (b) actividades. O quadro ou a matriz
de resultados deveria conter puramente os objetivos
tácticos (na verdade, é a melhor parte deste documento).
Ora confundindo tudo da forma
como está, o risco a que corremos é que o governo não seja capaz de chegar onde
quer. Nem nós poderemos segui-lo sistematicamente. Caso consigamos uma e ou
outra vitória, será graças a um “herói” aqui e acolá que poderá usar o seu
capital e encorajar os outros a “fazerem milagres”.
Ao contrário que ouvia dizer nos
últimos anos, um Plano Quinquenal tem si método; não é simples declaração de
vontades e pode ser avaliado. Para tal, há método a seguir e uma linguagem
própria.
Tomemos com exemplo o objetivo
estratégico IV da prioridade II: “promover a participação da juventude nas
actividades socioculturais, desportivas e económicas como mecanismo para
massificar a prática regular da actividade física e desportiva e melhorar a
qualidade de vida, saúde e bem-estar da população”.
Este objectivo está mal redigido.
Não é assim como se formula um objectivo estratégico. Exemplos similares
abundam em todo o Plano. Se quiser ser estratégico o objectivo deve apontar
para onde quer ir, para o que pretende atingir. Assim, o objectivo deveria ser
reformulado da seguinte forma: Melhorar
a qualidade de vida, saúde e bem-estar da população através das actividades
socioculturais, desportivas e económicas. O resto vinha na secção reservada
as actividades específicas para atingir este objectivo estratégico. Escrito desta forma, este objectivo
estratégico de nível 2 (metas tácticas) estariam a contribuir
para a PRIORIDADE II, que é DESENVOLVER O CAPITAL HUMANO E SOCIAL. De seguida,
o que chamam de acção que na verdade é actividade, seria algo muito mais
concreto. Tomemos o exemplo da alínea c) deste objectivo estratégico: “Promover fóruns multigeracionais de diálogo
que estimulem a participação e integração dos Jovens.
Para começar esta “acção” nem é estratégica
muito menos acção. É actividade. Mesmo assim é uma actividade mal formulada e
ambígua. Pode significar tudo, desde produzir leis a meras declarações de
intenções. Pelo que está mal colocada para o nível onde está. Um exemplo correto
de um objectivo táctico é o constante da alínea i, que diz: “Estabelecer Centros de Formação
Desportiva (Lar do Atleta) regionais na cidade de Lichinga e nas vilas de
Gondola (Manica) e Namaacha (Maputo Província) ”.
MAS AFINAL, PARA QUE É QUE
“CRIAMOS” O MINISTÉRIO DA JUVENTUDE?
Olhando para o Ministério e seus
objectivos para este quinquénio, fico preocupado. Preocupado porque vejo que
falta uma visão estratégica do sector da Juventude. Mas antes, noto uma
trapalhice sobre que papel deve o Ministério de Juventude e Desportos desempenhar
num país do terceiro mundo como o nosso. Não vi nada que me encorajasse a
pensar que os técnicos lá afectos estejam interessados ou compreendam o
interesse estratégico da juventude para uma jovem democracia como a nossa.
Para começar, quem ler o PGQ
2015-2019 fica com a sensação de que o Ministério da Juventude e Desportos
deveria chamar-se de facto, MINISTÉRIO DE RECREAÇÃO. Grande parte das
actividades a que se propõe realizar caia perfeitamente no pelouro da Dra.
Isaura Nyusi, esposa de Presidente; sim, lá no Gabinete da Primeira-dama.
Não quero com isso dizer que o
Gabinete da Primeira-dama seja de recreação. Não estou a comparar assim. Estou
a dizer que pelas actividades que o Ministério da Juventude e Desportos decidiu
priorizar para o quinquénio, melhor seria mudar de nome para Ministério da
Recreação. As outras actividades não recreativas mas de consciencialização e
mudança de hábitos e comportamentos, poderiam perfeitamente encaixar no pelouro
do Gabinete da Primeira-dama. Refiro-me concretamente às seguintes alíneas (que
deveriam caber bem no pelouro da Primeira-dama):
c) Promover Fóruns
multigeracionais de diálogo que estimulem a participação e integração dos
Jovens;
d) Garantir a prática regular da
actividade física e desportiva em todos os subsistemas desportivos;
e) Promover a massificação da
prática desportiva nas diferentes modalidades, incluindo a formação dos agentes
desportivos
l) Consolidar o ensino artístico
através do alargamento das instituições de formação cultural e artística de
nível básico, médio e superior.
E eu aumentaria outras tais como
(1) consciencializar os cidadãos para os bons hábitos alimentícios, (2)
consciencializar os moçambicanos para valores de solidariedade, respeito pela
vida humana, paz e resolução pacífica de conflitos.
É que o Ministério da Juventude e
Desportos é essencialmente um Ministério-coordenador e transversal. O seu foco
deveria ser em ORGANIZAR A JUVENTUDE PARA MELHOR ENGAJÁ-LOS NOS PROCESSOS DE
DESENVOLVIMENTO DE MOÇAMBIQUE.
Com uma visão como esta o
Ministério da Juventude e Desportos deixaria de se concentrar em relvar campos
de futebol ou gerir centros de formação ou “massificar o desporto” ou quejando.
As actividades aqui mencionadas constam do PQG. E julgo que são actividades que
institutos e organizações directamente vocacionadas para a juventude e/ou
desportos podem perfeitamente fazer, com a ajuda e coordenação ministerial.
Entre elas, conto com o Parlamento Juvenil ou o Conselho Nacional de Juventude.
Ademais, da mesma forma que não
vi no PQG a intenção de “garantir a participação de Moçambique em todos
campeonatos desportivos de maior relevo como futebol, basketball ou hóquei,
pelos mesmos motivos, o Ministério da Juventude não deveria gastar energias
gerindo máquinas de cortar relva! É verdade que as infraestruturas desportivas
seriam uma grande componente da estratégia, mas isso não significa cuidar do
“software” do sector.
A juventude debate-se com
problemas sérios e variados: desde a participação política, representação
política, inserção e inclusão económica, educação e trabalho; inovação
tecnológica, saúde sexual e reprodutiva etc. Ajudá-la para melhor servir os
desafios do país deveria ser a prioridade do Ministério da Juventude e
Desportos. Para tal, deveria assumir o papel coordenador na salvaguarda dos
melhores interesses da sobrevivência de Moçambique como nação. O Ministério da
Juventude e Desportos é um ministério-chave. Ou devia sê-lo. Porque é um
Ministério-canteiro, querendo comparar; responsável pela viabilidade deste país,
para as futuras gerações. Confiná-lo à secção recreativa da governação é no
mínimo faltar respeito para com os principais desafios da juventude, já
reconhecidos pelo próprio governo.
Toda a componente do desporto
recreativo e educativo que o Ministério da Juventude assume poderia por exemplo
estar adstrita ao Ministério da Educação. De resto, quem forma professores da
Educação Física não é o ministério da Juventude e Desportos. É o da Educação.
O melhor legado que o Ministro da
Juventude deixaria aos Moçambicanos seria tornar o jovem e a juventude no
centro das atenções da governação, dentro de uma perspectiva de
sustentabilidade e de viabilidade de Moçambique como nação em que se espera que
estes sejam o repositório de um povo. E isso não se faz relvando campos.
Texto também publicado no jornal SAVANA no dia 20 de Março de 2015
Texto também publicado no jornal SAVANA no dia 20 de Março de 2015
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