Entre o pessimismo da razão e o otimismo da vontade: o que nos vem à memória com o lançamento do “SUSTENTA”?
“A esperança é a alegria inconstante nascida da ideia de coisa futura ou passada de cujo desenlace duvidamos em certa medida. O medo é a tristeza inconstante nascida da ideia de coisa passada ou futura de cujo desenlace duvidamos em certa medida. Segue dessas definições que não há esperança sem medo e nem medo sem esperança. (…). Quem está suspenso na esperança – duvida do possível desenlace –, teme enquanto espera, quem está suspenso no medo – duvida do que possa acontecer –, espera enquanto teme.” (Baruch de Spinoza)
Não há dúvidas que a retórica desenvolvimentista precisa ou reinventar-se ou abordar-se de frente. Os modelos de ajuda ao desenvolvimento há muito que deixaram a desejar, principalmente aqueles cujo objectivo principal é combater a pobreza. No caso Moçambicano, vem-me a memória projectos “bem nutridos” como PROAGRI, que prometia acabar com a pobreza mas que deixou o seu oposto. Desde 1975 que inscrevemos na Constituição da República que a agricultura era a base de desenvolvimento e a indústria o factor dinamizador. Porém, em termos concretos, o país especializa-se em serviços e “boladas”. Ao nível da governação, o sector agrícola é de facto um ninho de negociatas e negociantes que perpetuam o país no patamar mais alto da indigência alimentar.
Ora, o que há de diferente com o “SUSTENTA”? Que motivos devemos evocar para nos reenergizar e reanimar a esperança? Basta ser mais um programa do novo Governo? Não. Porque é o Banco Mundial a financiar? Também não. Então, porque devemos olhar o projecto com otimismo? Também não sei bem. O otimismo da razão manda-me ver o projecto como mais um, com o agravante de abrangir numa primeira fase, apenas 10 distritos de Nampula e Zambézia. Segundo, porque não sei ainda se as condições que levaram à falência dos outros projectos estão sanadas ou não. Terceiro, porque não estou seguro se a propalada “integração” sectorial não passa de uma retórica ou não. Todavia, o otimismo da vontade leva-me a crer que as condições para vencer a fome estão ao nosso alcance. O Projecto SUSTENA possui características de uma iniciativa viável, dentro de um quadro mais holístico de promoção do desenvolvimento. Refiro-me holístico pois quero de seguida introduzir um conceito e uma sugestão há muito avançada pelos economistas de desenvolvimento. Trata-se da noção de armadilha da pobreza.
A população moçambicana enfrenta a armadilha da pobreza. Por mais iniciativas desenvolvimentistas Moçambique invente, se elas não tiverem em consideração esta armadilha, as chances de sucesso são mitigadas. Armadilha da pobreza é um mecanismo que torna muito difícil a libertação das pessoas da pobreza.
Jeffrey Sachs, economista e Director da Earth Institute da Universidade de Columbia, Nova Iorque, EUA identifica uma série de problemas para justificar e caracterizar a armadilha da pobreza. Para ele, o problema primário na maioria dos locais empobrecidos é a baixa produtividade dos alimentos, normalmente como resultado da dependência de chuvas irregulares em vez de irrigação; em solos fracos e facilmente degradados; e muitas vezes em terrenos abruptamente montanhosos e degradados . O segundo problema é um pesado fardo da doença (Sachs, 2017) que em Moçambique, como um pouco por toda África, são o lar de doenças letais e debilitantes. Essas doenças, em zonas temperadas ou são inexistentes ou são facilmente controladas. A desnutrição também acentua a carga da doença. De acordo com o mesmo autor, esses problemas, estabelecem as armadilhas da pobreza. A insegurança alimentar leva à desnutrição, à doença, à violência induzida pela fome e a renda zero ou baixa para os lares agrícolas, presos sem os meios ou a capacidade de investir em melhorias agrícolas. Consequentemente, os pobres são obrigados a "minar" o ambiente local, tornando-o insustentável, esgotando o solo, “sobrepescando”, caçando e cortando florestas (Sachs, 2006).
A opinião de Sachs – e como ele, também outros economistas como Paul Collier (Collier, 2008), William Easterly (Easterly, & Easterly 2006) sugere que a solução para romper com a pobreza passa por concentrar os investimentos na melhoria da segurança alimentar e na produtividade agrícola; permitir que os agricultores tenham acesso a fertilizantes, sementes de alto rendimento, tecnologias de gestão de água em pequena escala e melhor gestão do gado. Feito isso, o resultado pode ser um rápido aumento na produção de alimentos e nos rendimentos agrícolas. Moçambique não consegue fazer isso sozinho dado os gigantescos investimentos financeiros que tal exigiria, ainda por cima num contexto de apertos em que nos encontramos. Adicionalmente, os investimentos em infra-estrutura podem romper o isolamento econômico. Tais melhorias incluem estradas transitáveis em todas condições meteorológicas, redes elétricas que atingem áreas rurais, cobertura de telefone celular mais ampla e até mesmo serviços de Internet de banda larga obtidos através de cabos de fibra óptica ou conexões via satélite. A ligação de aldeias anteriormente remotas aos mercados regionais e mundiais permite-lhes ganhar muito mais dinheiro através da venda de produtos agrícolas, bens processados e serviços.
A esperança – e é o que autores como Easterly, Dani Rodrik e Stiglitz defendem – reside num outro tipo de arquitectura de financiamento do desenvolvimento ancorado num massivo investimento em áreas que mais pressionam os pobres e livre dos “sete pecados” capitais da assistência ao desenvolvimento internacional, nomeadamente: (1)Impaciência para com a construção das instituições, (2)Inveja (falha na colusão e coordenação), (3)Ignorância (falha na avaliação), (4)Orgulho (não saber quando sair), (5) Preguiça (fingir que "participação" é suficiente para "ownership"), (6) Ganância (não confiável, bem como transferências mesquinhas); (7) Tolice (subfinanciamento aos bens públicos globais e regionais) – (Birsdal, 2004).
A mensagem que pretendo deixar hoje é de que o país é testemunha e hospedeiro de tantos programas de desenvolvimento, alguns dos quais que tiveram largas chances de sucesso MAS que infelizmente faliram. Aliado a isso, perdemos várias oportunidades para maximizar as oportunidades de desenvolvimento como o programa Millenium Challenge Account, AGOA e tantos outros, por incompetência ou corrupção. O meu maior medo e o dos demais é que o SUSTENTA se transforme em mais um oásis para o repasto das elites politicas, as mesmas de sempre e um “el dorado” intangível ao povo sofrido.
Se o “SUSTENTA” conseguir contornar os fantasmas acima arrolados, tenho a certeza que será diferente e conseguirá cumprir com o seu mandato. O desenvolvimento está ao nosso alcance e o trabalho realizável enquanto ainda vivemos. O “SUSTENTA” é quanto a mim, uma tentativa de romper com a armadilha da pobreza, numa abordagem que reconhece a complexidade e a interdependência dos fenómenos.
Não há dúvidas que a retórica desenvolvimentista precisa ou reinventar-se ou abordar-se de frente. Os modelos de ajuda ao desenvolvimento há muito que deixaram a desejar, principalmente aqueles cujo objectivo principal é combater a pobreza. No caso Moçambicano, vem-me a memória projectos “bem nutridos” como PROAGRI, que prometia acabar com a pobreza mas que deixou o seu oposto. Desde 1975 que inscrevemos na Constituição da República que a agricultura era a base de desenvolvimento e a indústria o factor dinamizador. Porém, em termos concretos, o país especializa-se em serviços e “boladas”. Ao nível da governação, o sector agrícola é de facto um ninho de negociatas e negociantes que perpetuam o país no patamar mais alto da indigência alimentar.
Ora, o que há de diferente com o “SUSTENTA”? Que motivos devemos evocar para nos reenergizar e reanimar a esperança? Basta ser mais um programa do novo Governo? Não. Porque é o Banco Mundial a financiar? Também não. Então, porque devemos olhar o projecto com otimismo? Também não sei bem. O otimismo da razão manda-me ver o projecto como mais um, com o agravante de abrangir numa primeira fase, apenas 10 distritos de Nampula e Zambézia. Segundo, porque não sei ainda se as condições que levaram à falência dos outros projectos estão sanadas ou não. Terceiro, porque não estou seguro se a propalada “integração” sectorial não passa de uma retórica ou não. Todavia, o otimismo da vontade leva-me a crer que as condições para vencer a fome estão ao nosso alcance. O Projecto SUSTENA possui características de uma iniciativa viável, dentro de um quadro mais holístico de promoção do desenvolvimento. Refiro-me holístico pois quero de seguida introduzir um conceito e uma sugestão há muito avançada pelos economistas de desenvolvimento. Trata-se da noção de armadilha da pobreza.
A população moçambicana enfrenta a armadilha da pobreza. Por mais iniciativas desenvolvimentistas Moçambique invente, se elas não tiverem em consideração esta armadilha, as chances de sucesso são mitigadas. Armadilha da pobreza é um mecanismo que torna muito difícil a libertação das pessoas da pobreza.
Jeffrey Sachs, economista e Director da Earth Institute da Universidade de Columbia, Nova Iorque, EUA identifica uma série de problemas para justificar e caracterizar a armadilha da pobreza. Para ele, o problema primário na maioria dos locais empobrecidos é a baixa produtividade dos alimentos, normalmente como resultado da dependência de chuvas irregulares em vez de irrigação; em solos fracos e facilmente degradados; e muitas vezes em terrenos abruptamente montanhosos e degradados . O segundo problema é um pesado fardo da doença (Sachs, 2017) que em Moçambique, como um pouco por toda África, são o lar de doenças letais e debilitantes. Essas doenças, em zonas temperadas ou são inexistentes ou são facilmente controladas. A desnutrição também acentua a carga da doença. De acordo com o mesmo autor, esses problemas, estabelecem as armadilhas da pobreza. A insegurança alimentar leva à desnutrição, à doença, à violência induzida pela fome e a renda zero ou baixa para os lares agrícolas, presos sem os meios ou a capacidade de investir em melhorias agrícolas. Consequentemente, os pobres são obrigados a "minar" o ambiente local, tornando-o insustentável, esgotando o solo, “sobrepescando”, caçando e cortando florestas (Sachs, 2006).
A opinião de Sachs – e como ele, também outros economistas como Paul Collier (Collier, 2008), William Easterly (Easterly, & Easterly 2006) sugere que a solução para romper com a pobreza passa por concentrar os investimentos na melhoria da segurança alimentar e na produtividade agrícola; permitir que os agricultores tenham acesso a fertilizantes, sementes de alto rendimento, tecnologias de gestão de água em pequena escala e melhor gestão do gado. Feito isso, o resultado pode ser um rápido aumento na produção de alimentos e nos rendimentos agrícolas. Moçambique não consegue fazer isso sozinho dado os gigantescos investimentos financeiros que tal exigiria, ainda por cima num contexto de apertos em que nos encontramos. Adicionalmente, os investimentos em infra-estrutura podem romper o isolamento econômico. Tais melhorias incluem estradas transitáveis em todas condições meteorológicas, redes elétricas que atingem áreas rurais, cobertura de telefone celular mais ampla e até mesmo serviços de Internet de banda larga obtidos através de cabos de fibra óptica ou conexões via satélite. A ligação de aldeias anteriormente remotas aos mercados regionais e mundiais permite-lhes ganhar muito mais dinheiro através da venda de produtos agrícolas, bens processados e serviços.
A esperança – e é o que autores como Easterly, Dani Rodrik e Stiglitz defendem – reside num outro tipo de arquitectura de financiamento do desenvolvimento ancorado num massivo investimento em áreas que mais pressionam os pobres e livre dos “sete pecados” capitais da assistência ao desenvolvimento internacional, nomeadamente: (1)Impaciência para com a construção das instituições, (2)Inveja (falha na colusão e coordenação), (3)Ignorância (falha na avaliação), (4)Orgulho (não saber quando sair), (5) Preguiça (fingir que "participação" é suficiente para "ownership"), (6) Ganância (não confiável, bem como transferências mesquinhas); (7) Tolice (subfinanciamento aos bens públicos globais e regionais) – (Birsdal, 2004).
A mensagem que pretendo deixar hoje é de que o país é testemunha e hospedeiro de tantos programas de desenvolvimento, alguns dos quais que tiveram largas chances de sucesso MAS que infelizmente faliram. Aliado a isso, perdemos várias oportunidades para maximizar as oportunidades de desenvolvimento como o programa Millenium Challenge Account, AGOA e tantos outros, por incompetência ou corrupção. O meu maior medo e o dos demais é que o SUSTENTA se transforme em mais um oásis para o repasto das elites politicas, as mesmas de sempre e um “el dorado” intangível ao povo sofrido.
Se o “SUSTENTA” conseguir contornar os fantasmas acima arrolados, tenho a certeza que será diferente e conseguirá cumprir com o seu mandato. O desenvolvimento está ao nosso alcance e o trabalho realizável enquanto ainda vivemos. O “SUSTENTA” é quanto a mim, uma tentativa de romper com a armadilha da pobreza, numa abordagem que reconhece a complexidade e a interdependência dos fenómenos.
Referências
Birdsall, N. (2004). Seven deadly sins: Reflections on donor failings. SSRN Electronic Journal. doi:10.2139/ssrn.1112815
Collier, P. (2008). The bottom billion: Why the poorest countries are failing and what can be done about it. Oxford University Press, USA
Easterly, W., & Easterly, W. R. (2006). The white man's burden: why the West's efforts to aid the rest have done so much ill and so little good. Penguin
McMillan, M., Rodrik, D., & Welch, K. H. (2002). When economic reform goes wrong: cashews in Mozambique (No. w9117). National Bureau of Economic Research
Sachs, J. (2006). The end of poverty: economic possibilities for our time. Penguin. Chicago
Sachs, J. D. (2017). Breaking the poverty trap. Scientific American. doi:10.1038/scientificamerican0907-40
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